O Espiritismo Cristão é uma religião de homens livres, uma
religião de verídica liberdade, porque o espírita legítimo aprende, na Doutrina
codificada por Allan Kardec, que o homem somente é verdadeiramente livre quando
consegue libertar-se dos preconceitos, do egoísmo, da ambição malsã, do
espírito de revolta, da maledicência, da mentira, do fanatismo, etc. É livre
quando exerce a bondade, a tolerância, o amor ao próximo, mostrando-se
solidário com todas as criaturas, predisposto sempre à prática da caridade
indistinta, a servir sem esperar compensação, seguindo a trilha traçada por
Jesus e tão bem sintetizada no “Sermão do Monte”. Quando adquirimos a convicção
de que podemos, por exemplo, suportar impertinências e até insultos, sem perder
a serenidade, compreendendo que o mal não está em quem é agredido e insultado
sem motivo, mas naquele que, movido ainda por instintos inferiores, age sem
reflexão, pronto a destruir, como javali furioso que investe contra a árvore
que encontra em sua corrida alucinada e feroz.
Não se pense que o Espiritismo seja uma escola de múmias,
capaz de transformar o homem num ser apático e passivo diante da vida, porque
nele incute a necessidade de exemplificar a humildade. Nem se considere também a
humildade cristã como um rebaixamento da espécie humana, porque, na realidade,
quando bem compreendida, ela constitui um meio de educação da vontade, dá ao
homem o domínio de si mesmo, capaz de considerar sem qualquer valor as
expressões de ira de adversários mais dignos de piedade do que de raiva. O
exercício da humildade fortalece o homem, porque o torna invulnerável a certos
conceitos errados de honra, pois a verdadeira honra é inatingível por aqueles
que possuem a alma enodoada de ideias falsas e traiçoeiras.
Nossa Doutrina prepara o homem e a mulher para a vida
terrena e também para a vida espiritual. No tocante à humildade, ensina-nos a
ser comedidos, discretos, modestos, sem vaidade nem orgulho, mas, em
contrapartida, prestativos, assíduos no bem, permanentes na caridade e no amor.
Aliás, Jesus entendia a caridade como “benevolência para com todos, indulgência
para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”. E em “O Livro dos
Espíritos” lê-se esta lição prodigiosamente bela: “O amor e a caridade são o
complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que
nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas
palavras de Jesus: Armai-vos uns aos outros como irmãos.”
O Espiritismo educa o homem, não para o temor a Deus, mas
para o amor a Deus. Erige a fraternidade com a condição imprescindível ao
bem-estar doméstico e social, repudiando a violência por incompatível com o
bem. Considera o egoísmo como um dos grandes males da Terra, apontando o
Evangelho em Espírito e Verdade como a luz que tirará as trevas da alma e fará
este planeta redimir-se dos erros dos homens. Mostra ainda, através dos ensinos
dos Espíritos, que a pessoa humana deve ser preservada da corrupção ideológica
que a anula, desconhecendo o indivíduo para somente levar em conta a massa,
dirigível e sem vontade, subordinada à influência negativa e homicida de
líderes divorciados de Deus, que mistificam as massas, destruindo a
personalidade humana. Mas as coletividades humanas não foram criadas para
figurarem extensos rebanhos tangidos por indivíduos audaciosos e maus. Se cada
criatura humana não consegue conservar sua personalidade, mesmo quando partilha
de qualquer grupo, então sofre a mutilação da sua vontade, perde a sua legítima
liberdade pessoal, deixando de pensar por sua cabeça, deixando de tomar
decisões por si mesma, porque há sempre alguém que pensa e age por ela.
Se abdica da sua personalidade para escravizar-se a uma idéia
sedutora, mas falsa e traiçoeira, renuncia à sua condição humana,
transmudando-se em mero integrante anônimo e abúlico de um rebanho
automatizado.
O Espiritismo valoriza o homem, consolida-lhe a
personalidade, dele faz uma força individual atuante nas coletividades humanas,
porque lhe dá o conhecimento do verdadeiro papel que veio desempenhar na Terra,
como Espírito exilado, em busca de reabilitação.
Exalta o valor da família, célula social de inestimável
valor. Prova que a ordem não pode subsistir sem a disciplina e que esta é
indispensável ao trabalho ordeiro e fecundo. Esclarece o verdadeiro sentido da
liberdade, demonstrando que ninguém é livre se não sabe respeitar o seu
próximo. Não há liberdade quando se age contra alguém. A falsa liberdade leva
ao erro e ao crime. A verdadeira liberdade edifica e ilumina o homem,
exaltando-lhe a personalidade, sem conspurcá-la nem aviltá-Ia. O Espiritismo
esclarece o Espírito humano, apontando-lhe o caminho certo, talvez não o mais
fácil, mas, sem dúvida, o mais aconselhável, porque é o que nos levará ao
Cristo de Deus.
O homem sem Evangelho será sempre um atormentado, um
insatisfeito, um cego a tatear numa estrada perigosa em noite tempestuosa. Não
façamos, porém, em nenhum caso, o culto da personalidade. Aprimoremo-Ia para
que melhor possa servir os altos interesses da Humanidade, mas não o elejamos
instrumento do egoísmo, porque este tem sido demasiado nocivo. “Somente o
trabalho e o sacrifício, a dificuldade e o obstáculo, como elementos de
progresso e auto-superação, podem dar ao homem a verdadeira notícia de sua
grandeza” esclarece Emmanuel.
Boanerges da Rocha
Reformador (FEB) Fevereiro 1970
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