Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão
consolados. Por estas palavras Jesus indica, ao mesmo tempo, a compensação
que espera os que sofrem e a resignação que nos faz bendizer o sofrimento, como
o prelúdio da cura.
Essas palavras podem, também, ser traduzidas assim:
deveis considerar-vos felizes por sofrer, porque as vossas dores neste mundo
são as dívidas de vossas faltas passadas, e essas dores, suportadas
pacientemente na Terra, vos poupam séculos de sofrimento na vida futura.
Deveis, portanto, estar felizes por Deus ter reduzido vossa dívida,
permitindo-vos quitá-las no presente, o que vos assegura a tranqüilidade para o
futuro.
O homem que sofre é semelhante a um devedor de
grande soma, a quem o credor dissesse: “Se me pagares hoje mesmo a centésima
parte, darei quitação do resto e ficarás livre; se não, vou perseguir-te até
que pagues o último centavo”. O devedor não ficaria feliz de submeter-se a
todas as privações, para se livrar da dívida, pagando somente a centésima parte
da mesma? Em vez de queixar-se do credor, não lhe agradeceria?
É esse o sentido das palavras: “Bem-aventurados os
aflitos, porque eles serão consolados”. Eles são felizes porque pagam suas
dívidas, e porque, após a quitação, estarão livres. Mas se, ao procurar
quitá-las de um lado, de outro se endividarem, nunca se tornarão livres. Ora,
cada nova falta aumenta a dívida, pois não existe uma única falta, qualquer que
seja, que não traga consigo a própria punição, necessária e inevitável. Se não
for hoje, será amanhã; se não for nesta vida, será na outra. Entre essas
faltas, devemos colocar em primeiro lugar a falta de submissão à vontade de
Deus, de maneira que, se reclamamos das aflições, se não as aceitamos com
resignação, como alguma coisa que merecemos, se acusamos a Deus de injusto,
contraímos uma nova dívida, que nos faz perder os benefícios do sofrimento. Eis
por que precisamos recomeçar, exatamente como se, a um credor que nos
atormenta, enquanto pagamos as contas, vamos pedindo novos empréstimos.
Ao entrar no Mundo dos Espíritos, o homem é
semelhante ao trabalhador que comparece no dia de pagamento. A uns, dirá o
patrão: “Eis a paga do teu dia de trabalho”. A outros, aos felizes da Terra,
aos que viveram na ociosidade, que puseram a sua felicidade na satisfação do
amor próprio e dos prazeres mundanos, dirá: “Nada tendes a receber, porque já
recebestes o vosso salário na Terra. Ide, e recomeçai a vossa tarefa”.
O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das
suas provas, pela maneira de encarar a vida terrena. Maior é o eu sofrimento,
quando o considera mais longo. Ora, aquele que se coloca no ponto de vista da
vida espiritual, abrange na sua visão a vida corpórea, como um ponto no
infinito, compreendendo a sua brevidade, sabendo que esse momento penoso passa
bem depressa. A certeza de um futuro próximo e mais feliz o sustenta encoraja,
e em vez de lamentar-se, ele agradece ao céu as dores que o fazem avançar. Para
aquele que, ao contrário, só vê a vida corpórea, esta parece interminável, e a
dor pesa sobre ele com todo o seu peso. O resultado da maneira espiritual de
encarar a vida é a diminuição de importância das coisas mundanas, a moderação
dos desejos humanos, fazendo o homem contentar-se com a sua posição, sem
invejar a dos outros, e sentir menos os seus revezes e decepções. Ele adquire,
assim, uma calma e uma resignação tão úteis à saúde do corpo como à da alma,
enquanto com a inveja, o ciúme e a ambição, entregam-se voluntariamente à
tortura, aumentando as misérias e as angústias de sua curta existência.
Fonte: “O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO’ALLAN KARDEC
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