Por uma aberração da inteligência, há
pessoas que não vêem nos seres orgânicos nada mais que a ação da matéria, e a
esta atribuem todos os nossos atos. Não vêem no corpo humano senão a máquina
elétrica; não estudaram o mecanismo da vida senão no funcionamento dos órgãos;
viram-na extinguir-se muitas vezes pela ruptura de um fio, e nada mais
perceberam além desse fio; procuraram descobrir o que restava, e como não
encontraram mais do que a matéria inerte, não viram a alma escapar-se e nem
puderam pegá-la, concluíram que tudo estava nas propriedades da matéria, e que,
portanto, após a morte, o pensamento se
reduz ao nada. Triste conseqüência, se assim fosse, porque então o bem e o mal
não teriam sentido; o homem estaria certo ao não pensar senão em si mesmo e ao
colocar acima de tudo a satisfação dos prazeres materiais; os laços sociais
estariam rompidos e os mais santos afetos destruídos para sempre. Felizmente,
essas idéias estão longe de ser generalizadas; pode-se mesmo dizer que estão
muito circunscritas, não constituindo mais do que opiniões individuais, porque
em parte alguma foram erigidas em doutrina. Uma
sociedade fundada sobre essa base traria em si mesma os germes da dissolução, e
os membros se despedaçariam entre si, como animais ferozes.
O homem tem instintivamente a convicção de que tudo não se acaba
para ele com a vida; tem horror ao nada; é em vão que se obstina contra a idéia
da vida futura, e quando chega o momento supremo, são poucos os que não
perguntam o que deles vai ser, porque a idéia de deixar a vida para sempre tem
qualquer coisa de pungente. Quem poderia, com efeito, encarar com indiferença
uma separação absoluta e eterna de tudo o que ama? Quem poderia ver, sem
terror, abrir-se à sua frente o imenso abismo do nada, pronto a tragar para
sempre todas as nossas faculdades, todas as nossas esperanças, e ao mesmo tempo
dizer: — Qual! Depois de mim, nada, nada, nada mais que o nada; tudo se apagará
da memória dos que sobreviverem a mim; dentro em breve nenhum traço haverá de
minha passagem pela terra; o bem mesmo que eu fiz será esquecido pêlos ingratos
a quem servi; e nada para compensar tudo isso, nenhuma perspectiva, a não ser a
do meu corpo devorado pelos vermes!
Este quadro não tem qualquer coisa de horroroso e de glacial? A
religião nos ensina que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas uma
existência futura, vaga e indefinida, nada tem que satisfaça o nosso amor do
positivo. E é isso que, para muitos, engendra a dúvida. Está certo que tenhamos
uma alma; mas o que é a nossa alma? Tem ela uma forma, alguma aparência? É um
ser limitado ou indefinido? Dizem alguns que é um sopro de Deus; outros, que é
uma centelha; outros, uma parte do Grande Todo, o princípio da
vida e da inteligência. Mas o que é que tudo isso nos oferece? Que nos importa
ter uma alma, se depois da morte ela se confunde com a imensidade, como as
gotas d’água no oceano? A perda da nossa individualidade não é para nós o mesmo
que o nada? Diz-se ainda que ela é imaterial. Mas uma coisa imaterial não pode
ter proporções definidas, e para nós equivale ao nada. A religião nos ensina
também que seremos felizes ou desgraçados, segundo o bem ou o mal que tenhamos
feito. Mas qual é esse bem que nos espera no seio de Deus? E uma beatitude uma
contemplação eterna, sem outra ocupação que a de cantar louvores ao Criador? As
chamas do inferno são uma realidade ou apenas um símbolo? A própria Igreja as
compreende nesse último sentido; mas. então, que sofrimentos são esses? Onde se
encontra o lugar de suplício? Em uma palavra, o que se faz e o que se vê nesse
mundo que nos espera a todos?
Ninguém costuma-se dizer, voltou de lá para nos dar conta do que
existe. Isto, porém é um erro e a missão do Espiritismo é precisamente a de nos
esclarecer sobre esse futuro a de nos fazer, até certo ponto, vê-lo e tocá-lo,
não mais pelo raciocínio, mas através dos fatos. Graças às comunicações
espíritas, isto não e mais uma presunção uma probabilidade sobre a qual cada um
pinta à vontade, que os poetas embelezam com suas ficções ou enfeitam de
imagens alegóricas que nos seduzem. E a realidade que nos mostra a sua face,
porque são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm contar a sua situação,
dizer-nos o que fazem, permitir-nos assistir, por assim dizer a todas as
peripécias da sua nova vida, e, por esse meio, nos mostram a sorte inevitável
que nos está reservada, segundo os nossos méritos ou os nossos delitos Há nisso
alguma coisa de anti-religioso? Bem pelo contrário, pois os incrédulos aí
encontram a fé e os tíbios, uma renovação do fervor e da confiança. O
Espiritismo é o mais poderoso auxiliar da religião. E se assim acontece é
porque Deus o permite, e o permite para reanimar as nossas esperanças
vacilantes e nos conduzir ao caminho do bem, pelas perspectivas do futuro.
Fonte: O Livro dos Espíritos. Allan Kardec
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