A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é o jogo escuro das
ilusões. Permutar a roupagem física não decide o problema fundamental da
iluminação, como a troca de vestidos nada tem que ver com as soluções profundas
do destino e do ser.
É preciso
muito esforço do homem para ingressar na academia do Evangelho do Cristo,
ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira - ele só, na
companhia do Mestre, efetuando o curso difícil, recebendo lições sem cátedras
visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas...
Manifestamo-nos,
junto a vós outros, no anonimato que obedece à caridade fraternal. A existência
humana apresenta grande maioria de vasos frágeis, que não podem conter ainda
toda a verdade. Aliás, não nos interessaria, agora, senão a experiência
profunda, com os seus valores coletivos. Não atormentaremos ninguém com a ideia
da eternidade. Que os vasos se fortaleçam, em primeiro lugar. Forneceremos,
somente, algumas ligeiras notícias ao espírito sequioso dos nossos irmãos na
senda de realização espiritual, e que compreendem conosco que "o espírito
sopra onde quer".
NAS ZONAS
INFERIORES - Após o desencarne, André Luiz despertou em paisagem que, quando
não totalmente escura, parecia banhada de luz alvacenta, como que amortalhada
em neblina espessa, que os raios do Sol aquecessem de muito longe. Ele narra:
"Cabelos eriçados, coração aos saltos, medo terrível senhoreando-me, muita
vez gritei como louco, implorei piedade e clamei contra o doloroso desânimo que
me subjugava o espírito... Formas diabólicas, rostos alvares, expressões
animalescas surgiam, de quando em quando, agravando-me o assombro."
André Luiz
conta que, entre angustiosas considerações, em momento algum o problema
religioso surgiu tão profundo aos seus olhos. Os princípios puramente
filosóficos, políticos e científicos figuravam-se extremamente secundários para
a vida humana. Porém, semelhante análise surgia tardiamente. Conhecera as
letras do Velho Testamento e muita vez folheara o Evangelho; entretanto era
forçoso reconhecer que nunca procurara as letras sagradas com a luz do coração.
-
"Suicida! Suicida! Criminoso! Infame!" - gritos assim cercavam-no de
todos os lados. Torturava-o a fome, a sede o escaldava. Comezinhos fenômenos da
experiência material patenteavam-se aos seus olhos. A barba crescera, a roupa
começara a romper-se.
- "Que
buscas, infeliz? Aonde vias, suicida?" Tais objurgatórias, incessantemente
repetidas, perturbavam lhe o coração. Por que a pecha de suicida, se fora
compelido a abandonar a casa, a família e o doce convívio dos seus?
O SOCORRO -
E quando as energias faltaram de todo, quando André se sentiu absolutamente
colado ao lodo da Terra, sem forças para reerguer-se, ele pediu ao Supremo
Autor da Natureza que lhe estendesse mãos paternais. Quanto tempo durou a
rogativa? Quantas horas consagrou à súplica, de mãos postas, imitando a criança
aflita? Estaria então completamente esquecido? Não era, igualmente, filho de
Deus, embora não cogitasse de conhecer-lhe a atividade sublime quando engolfado
nas vaidades da experiência humana? Ah, é preciso haver sofrido muito, para
entender todas as misteriosas belezas da oração; é necessário haver conhecido o
remorso, a humilhação, a extrema desventura, para tomar com eficácia o sublime
elixir de esperança.
Foi nesse
instante que as neblinas espessas se dissiparam e alguém surgiu, emissário dos
Céus. Um velhinho simpáticos sorriu-lhe paternalmente. Com os grandes olhos
lúcidos, falou:
-
"Coragem, meu filho! O Senhor não desampara."
Após ver
André devidamente socorrido por seus dois ajudantes, esclareceu:
-
"Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a presteza
possível."
EM NOSSO LAR
- Frente à grande porta encravada em altos muros, coberto de trepadeiras
floridas e graciosas, Clarêncio se deteve e, tateando um ponto na muralha, fez
abrir-se as portas de "Nosso Lar".
Conta André
Luiz: "Branda claridade inundava ali todas as coisas. Ao longe, gracioso
foco de luz dava a ideia de um pôr do sol em tardes primaveris. À medida que
avançávamos, conseguia identificar preciosas construções, situadas em extensos
jardins."
Conduzido a
confortável aposento de amplas proporções, ricamente mobiliado, esforçou-se por
dirigir a palavra aos dois bondosos enfermeiros:
-
"Amigos, por quem sois, explicai-me em que novo mundo me encontro... De
que estrela me vem, agora, esta luz confortadora e brilhante?"
Um deles
afagou s fronte de André, como se fora conhecido pessoal de longo tempo e
acentuou:
-
"Estamos nas esfera espirituais vizinhas da Terra, e o Sol que nos
ilumina, neste momento, é o mesmo que nos vivifica o corpo físico. Aqui, entretanto,
nossa percepção visual é muito mais rica. A estrela que o Senhor acendeu para
os nossos trabalhos terrestres é mais preciosa é bela que a supomos quando no
círculo carnal. Nosso Sol é a divina matriz da vida, e a claridade que irradia
provém do Autor da Criação."
O MÉDICO
ESPIRITUAL - No dia imediato, após profundo e reparador repouso, André vê
abrir-se a porta do quarto e entrar Clarêncio (o simpático velhinho que o
socorrera), acompanhado por um simpático desconhecido. Sorridente, apresentou o
companheiro: tratava-se de Henrique de Luna, do serviço de Assistência Médica
da colônia espiritual.. Trajado de branco, traços fisonômicos irradiando enorme
simpatia, Henrique auscultou-o demoradamente, sorriu e explicou:
- "É de
lamentar que tenha vindo pelo suicídio."
Singular
assomo de revolta borbulhou no íntimo de André Luiz:
-
"Creio haja engano - asseverou melindrado -, meu regresso do mundo não
teve esta causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Saúde, tentando vencer
a morte. Sofri duas operações graves, devido a oclusão intestinal..."
- "Sim,
esclareceu o médico, demonstrando a mesma serenidade superior -, mas a oclusão
radicava-se em causas profundas. Talvez o amigo não tenha ponderado bastante. O
organismo espiritual apresenta em si mesmo a história completa das ações
praticadas no mundo."
Prossegue
André: "Talvez que, visitado por figuras diabólicas a me torturarem, de
tridente nas mãos, encontrasse forças para tornar a derrota menos amarga.
Todavia, a bondade exuberante de Clarêncio, a inflexão de ternura do médico, a
calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me fundo o espírito. Não me
dilacerava o desejo de reação; doía-me a vergonha."
LÍSIAS -
"É você o tutelado de Clarêncio?" A pergunta vinha de um jovem de
singular e doce expressão.
"Sou
Lísias, seu irmão. Meu diretor, o assistente Henrique de Luna, designou-me para
servi-lo, enquanto precisar tratamento."
Lisias foi o
prestimoso enfermeiro e amigo de André em seus primeiros tempos de Nosso Lar.
Trecho
retirado do livro Nosso Lar- André Luiz-Chico Xavier.
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