Às vezes me
preocupava o mecanismo das leis cármicas. Pensava eu que a série de ações e
reações se estendesse em espirais infinitas pelo tempo a fora. E isso me
parecia contrário à ideia que sempre formulei da justiça divina.
Se ontem,
num momento infeliz de desvario, estrangulei um irmão, alguém teria que me
estrangular no futuro, para que se cumprisse a lei. Mas, o novo crime haveria
de gerar, fatalmente, uma nova reação, abrindo outro ciclo e assim por diante,
“ad infinitum”. De mais a mais, não havia, também, a dureza do “olho por olho,
dente por dente”?
Acontece,
porém, que as leis divinas são muito mais sábias e perfeitas do que sonhamos.
Ao descer até nós, vindo das mais elevadas esferas espirituais, o Divino Mestre
nos trouxe a mensagem da verdade suprema da vida – o amor. E como Ele próprio
dizia, não vinha destruir a lei, mas fazê-la cumprir. Não se alterava a
substância dos postulados cármicos; ficavam eles, porém, esvaziados do seu
conteúdo de inexorabilidade, para adquirirem o suave colorido da reparação.
Ensinava o
Amigo Sublime que só uma atitude poderia quebrar o círculo vicioso: o amor. Na
verdade, colocou tão alto o conceito e a prática do amor entre as criaturas,
que fez disso a nota dominante, o tema, o “leit motiv” de toda a sua
insuperável pregação. A certa altura da vida, com o poder de síntese e de
acuidade de que era dotado, no mais alto grau, como se quisesse deixar, numa só
ideia, toda a sabedoria da vida – disse simplesmente: “Amai-vos uns aos outros,
como eu vos amei.” Já meditou o amigo leitor, com seriedade, na beleza e na
profundidade daquela simples frase? Ela contém, não somente o mandamento
supremo da lei – que séculos antes havia sido transmitido a Moisés –, como,
também, a afirmação de que Ele, o Cristo, viera demonstrar e praticar a verdade
do amor e não somente pregá-la. Aqueles que vivessem tal filosofia da vida
estariam cumprindo a lei e seguindo os ensinos revelados pelos profetas através
das idades.
Estava o
Mestre oferecendo, a cada um de nós, os recursos necessários para que nós
mesmos nos libertássemos das imposições do “olho por olho”.
Bastava
amar. Quando nos pedissem para caminhar mil passos, caminhássemos mais dois mil
por nossa conta. Se nos batessem em uma face, oferecêssemos a outra. Era lícito
perdoar sete vezes? Perguntaram-lhe. Não sete, mas setenta vezes sete, foi a
resposta.
Aí está o
ponto onde se quebra a corrente cármica, se o desejarmos: na prática do amor e
do perdão. Bem sabemos que é mais fácil falar que praticar, enquanto estivermos
contidos pela nossa imperfeição, mas se perdoamos àquele que em nós feriu a lei
e o ajudamos a recuperar-se, estaremos, por nossas próprias mãos, partindo o
círculo de ferro. Se ainda não atingimos a perfeição moral de oferecer a outra
face, caminhemos pelo menos a outra milha, os outros dois mil passos, para
oferecer a nossa prece em favor daquele que nos ofendeu. Esse gesto talvez
represente, nas telas infinitas do tempo, o progresso e a libertação de irmãos
aos quais provavelmente devemos tantas outras reparações.
Graças a
Deus, a despeito dos desacertos da época em que vivemos, há bastante beleza
moral neste mundo. Muitos espíritos se deixaram impregnar de tal forma por esse
perfume de amor e perdão, que imprimiram a marca de sua passagem na História.
Francisco de
Assis, num transbordamento de amor incontido, pregava tanto aos homens como aos
humildes seres da criação, procurando atrair todos para a luz. Tereza d’Ávila,
em transportes de amor sublimado pelo Mestre, vivia entre este mundo e o outro.
Joana d’Arc, sob a pressão desencadeada do poder terreno, não cessou de amar e
perdoar. Gandhi, na fragilidade física, era um gigante de força espiritual e
moral no seu amor pacifista pelos irmãos deserdados. Albert Schweitzer,
mergulhado no coração da selva africana, cura, ensina, educa, ampara, sem outra
paga que a satisfação de exercer o amor pelo ser humano.
Conhecemos,
pois, o caminho da recuperação, aquele que leva para o Alto. É preciso rogar
forças para que saibamos segui-lo; pedir a Jesus que nos amplie a capacidade de
amar e compreender. Não que essa atitude seja de passividade inútil. Não. Amar,
no mais puro sentido, é um programa de ação, é um roteiro de lutas, porque
implica, em primeiro lugar, o combate ao nosso comodismo através dos milênios.
Esse egoísmo cego talvez fosse necessário quando, na meia luz da consciência
que despontava em nosso ser, nos distantes períodos encarnatórios, ainda não
sabíamos que a vida continua depois da morte. Vivíamos, então, agarrados
ferozmente ao corpo físico e às coisas da matéria, e por ela lutávamos,
matávamos e roubávamos. Hoje não. Iluminados pela verdade superior, sabemos que
o corpo é mero instrumento – e dos mais nobres – de trabalho e de evolução e,
por estranho que pareça, quanto mais trabalhamos para os outros, mais
realizamos para nós mesmos. Vemos, assim, que o egoísmo se sublimou numa forma
superior de sentimento, pois que, por amor a nós mesmos e ao nosso progresso
espiritual, somos levados a amar os outros. Então, isto tudo não é belo e maravilhosamente
perfeito?
E quando
dizemos que o amor é um programa de trabalho e de luta é porque temos que
exercê-lo ativamente, esclarecendo, pelejando contra o erro, ajudando aos que
precisam de ajuda, tolerando, enfim, porque essa é a lei que nos oferece a
chave da libertação.
Só o amor
cobre uma multidão de pecados. “Divaldo Franco”
João Marcus
MARCUS,
João. "Candeias na noite escura". Pseudônimo de Hermínio C. Miranda.
Rio de Janeiro, RJ: FEB. 1992. Cap. 4. Fonte: site "Fórum Espírita"
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