Uma menina
de seis anos, que sofria de albinismo, foi encontrada morta e com seus membros
cortados no Burundi , na África. Eis aí um caso de assassinato, segundo
autoridade policial local, motivado por rituais de feitiçaria. Acredita-se que
os órgãos das pessoas com essa desordem genética são usados para fazer poções
mágicas, a fim de garantir a juventude, a riqueza e o poder às pessoas que nela
creem. Estamos diante da condição, extremamente, primitiva do ser humano que
cultua tais crenças.
Anja
Ringgren Lovén, ativista dinamarquesa, foi a responsável por salvar Hope, um
garotinho africano da Nigéria de dois anos que foi abandonado pela família sob
o estigma de ser a encarnação de um “bruxo” (médium!). Depois de passar oito
meses morando na rua, Hope foi resgatado por Ringgren e, aos poucos,
recuperou-se de um avançado estado de desnutrição. A dinamarquesa fez um
magnífico serviço de socorro, sem dúvida, mas analisemos a questão pelo ponto
de vista do sortilégio tão temido por diversas família africanas.
Arrastadas
de suas casas sem saber ao certo do que estavam sendo acusadas, as “bruxas”
eram despidas e submetidas a um criterioso exame em busca das marcas de
Satanás. Sardas, verrugas, um mamilo grande, olhos dessemelhantes ou azuis pálidos
eram considerados sinais seguros de que a mulher, principal vítima da
perseguição, travara contato com as forças do mal. Informada sobre as suspeitas
que pesavam sobre ela, a mulher que resistisse às lágrimas ou murmurasse
olhando para baixo, seguramente era uma seguidora dos espíritos malignos.
Escaldadas em água com cal, suspensas pelos polegares com pesos nos tornozelos,
sentadas com os pés sobre brasas ou resistindo ao peso das pedras colocadas
sobre suas pernas, as rés não tardavam a gritar aos seus inquisidores que
-“sim, era verdade”, que elas sacrificavam animais e criancinhas, evocavam
demônios nas noites de lua cheia, e usavam ervas e feitiços para matar e trazer
infelicidade aos inimigos.
Instaurada
para identificar e punir os hereges e sua doutrina de oposição entre o bem do
espírito e o mal do corpo, a inquisição foi oficializada em 1233, no papado de
Gregório IX. Do momento em que a Igreja declarou que as antigas religiões pagãs
eram uma ameaça hostil ao cristianismo, em 1320, até a última execução
judicial, realizada em território polonês no final do século XVIII, milhares de
pessoas, 80% mulheres, foram acusadas, investigadas e punidas com base em
denúncias da vizinhança.
Na Idade
Média, eram santos e santas, quando se afinavam à cartilha religiosa da época,
ou então, feiticeiros e bruxas, recomendados à fogueira ou à forca, quando não se ajustavam aos preconceitos do tempo em
que nasceram. O Papa João XXII, em 1326, autorizou a perseguição às bruxas sob
o disfarce de heresia. O Concílio de Basileia (1431-1449) apelava à supressão
de todos os males que pareciam arruinar a Igreja. Em 1484 o Papa Inocêncio VIII
promulgou a bula Summis desiderantes affectibus, confirmando a existência da
bruxaria. No mesmo ano foi lançado o livro Malleus Maleficarum, pelos
inquisidores Heinrich Kraemer e James Sprenger. Com 28 edições, esse volumoso
manual se tornou uma espécie de bíblia da caça às bruxas. Contudo, Benedict
Capzov, um fanático luterano, foi responsável pela morte de aproximadamente
20.000 “bruxas”, apoiando-se na “lei” do Êxodo (22,18); “Não deixarás viver a
feiticeira”.
No Brasil,
no mês de outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal da República, que,
maliciosamente, associa a prática do Espiritismo aos rituais de magia e
adivinhações. O texto dizia o seguinte, no Artigo 157: “É crime praticar o
Espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancia (…),
inculcar curas de moléstias (…) e subjugar a credulidade pública. Pena: prisão
celular de 1 a 6 meses e multa de 100 a 500 $;. Os espíritas reclamaram com
Campos Sales, Ministro da Justiça da época, mas nada adiantou. O relator do
Código, João Batista Pinheiro, limitou-se a dizer que o texto se referia à prática
do “baixo” Espiritismo, como se existissem dois Espiritismos.
Na verdade,
os republicanos utilizaram os espíritas como bodes expiatórios para diminuir a
oposição católica ao novo regime, causada pelo desatrelamento entre a Igreja e
o Estado. Como consequência do Código, vários companheiros foram presos em
1891, no Rio de Janeiro. Preocupado com possíveis focos de resistência ao
regime, o Governo autorizou a polícia a invadir reuniões e residências à
procura de opositores. Para evitar confusões, muitos centros decidiram fechar,
temporariamente.
Paulo de
Tarso escreveu aos coríntios, “Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos,
que sejais ignorantes. Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos
mudos, conforme éreis guiados. Portanto, vos quero fazer compreender que
ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode
dizer que Jesus é o Senhor senão pelo Espírito Santo.
Ora, há
diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios,
mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que
opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o
que for útil. Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a
outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; e a outro, a fé; e a outro,
os dons de curar; e a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a
outro o dom de discernir os Espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a
outro, a interpretação das línguas.” [1]
Atualmente
há médiuns tidos como (“bruxos”!) de todos os matizes, em largas expressões, a
saber: psicógrafos, clarividentes, clariaudientes, curadores, poliglotas,
psicofônicos, materializadores, intuitivos etc. Paulo de Tarso foi admirável
médium de clarividência e clariaudiência, às portas de Damasco, ao ensejo de
seu encontro pessoal com Jesus. Todavia, não podemos esquecer que os subjugados
– os doentes mentais e os obsedados de todos os graus – que enxameavam a
estrada dos tempos apostólicos, eram também médiuns (“bruxos”!).
Jorge Hessen
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