Quando se
pretende colocar a riqueza como uma prova antes que um privilégio, é
obrigatório começar citando uma passagem da vida de Jesus narrada por três dos quatro
evangelistas. Aproximou-se dele um jovem que o interpelou: — Bom Mestre, que
devo fazer para adquirir a vida eterna? Depois de advertir que bom só Deus o é,
respondeu-lhe Jesus: — Se você quer entrar na vida, guarde os mandamentos. —
Que
mandamentos? perguntou o jovem. Jesus enumerou alguns: Não matar; não cometer adultério;
não furtar; não dar falso testemunho; honrai pai e mãe e amar o próximo como a
si mesmo. O moço lhe respondeu: — Tenho guardado todos esses mandamentos desde
que cheguei à mocidade. Que é o que ainda me falta? Disse Jesus: — Se você quer
ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres e terá um tesouro
no céu. Depois, venha e siga-me. Ouvindo essas palavras, o moço se foi
tristonho, porque possuía grandes haveres. Jesus comentou então com os
discípulos: — Digo-lhes, em verdade,
que bem difícil é que um rico entre no reino dos céus. E usa em seguida uma
figura de linguagem bastante forte: — É mais fácil que um camelo passe pelo fundo
de uma agulha do que entrar um rico no reino dos céus.
Segundo
Kardec, o que se deve entender dessa passagem não é que seja impossível um rico
entrar no reino dos céus pois, se assim fosse, Deus teria posto nas mãos de
alguns um instrumento fatal de perdição; mas deve-se entender que é muito
difícil um rico entrar no reino dos céus. E por quê? Porque a riqueza gera
tentações; exerce fascinação sobre as pessoas, é excitante do orgulho, do
egoísmo, da vida sensual; é o laço mais forte que prende o homem à Terra e o
faz esquecer das coisas do espírito.
Particularmente
as pessoas que passam de repente da pobreza à riqueza, essas sofrem uma tal
vertigem que se esquecem até dos que lhe compartilharam a situação anterior, tornando-se
insensíveis, egoístas e fúteis.
Tudo isso
que Kardec coloca faz-nos entender que a riqueza é uma prova muito arriscada
para o espírito, mais perigosa do que a prova da pobreza. São palavras do
próprio Kardec: “a pobreza é, para os que a sofrem, a prova da paciência e da resignação;
a riqueza é, para os outros, a prova da caridade e da abnegação”.
O pobre está
sempre esperando: na fila por emprego; na fila por atendimento;
esperando
que cumpram o que lhe prometeram; esperando o dia do pagamento para saldar suas
dívidas; esperando abono de Natal para comprar um objeto de utilidade doméstica
e assim por diante. O pobre precisa ainda contentar-se com o artigo inferior,
porque esse é acessível ao seu bolso, embora também aspire a coisas mais
bonitas, mais perfeitas, mais confortáveis e, consequentemente, mais caras. O
pobre sem paciência e sem resignação torna-se invejoso e revolta-se a ponto de
assaltar e matar por causa de um
objeto de grife.
Todavia, a
prova da riqueza é de mais alto risco. Quando Jesus disse ao moço
que se
desfizesse de todos os bens, é lógico que não pretendeu fazer do despojamento total
o princípio absoluto da salvação. É que, antes, o moço dissera que ele já observara
os mandamentos desde a sua mocidade, o que eqüivale a dizer que ele já era um
homem perfeitamente honesto para os padrões humanos, mas a sua virtude não chegava
à abnegação. Por isso Jesus lhe propõe a prova decisiva, porque põe a nu o
fundo do pensamento e dos sentimentos da criatura. Quando o dinheiro é muito, a
criatura pode agir plena e desembaraçadamente e então ela se revela tal qual é.
Talvez um
pobre aparentemente humilde se revele um tirano se, de repente, se tornar rico.
Muitas
vezes, para deixarmos de colaborar com o bem, nós, de má vontade, nos dizemos
pobres, como se a pobreza fosse uma desculpa. Há outras riquezas que nos felicitam
a cada hora. Muitos ricos dariam grande fortuna pelo tesouro da fé, pela bênção
da saúde, pelo recurso da locomoção, por membros perfeitos, por equilíbrio e
lucidez.
Antes de
censurarmos o rico, saiamos de nós mesmos e auxiliemos o próximo que, muitas
vezes, espera simplesmente uma palavra de entendimento e reconforto.
Fonte:
O Evangelho
Segundo o Espiritismo – Kardec
Livro da
Esperança – Emmanuel
Religião dos
Espíritos – Emmanuel
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