"Quem
tem olhos de ver, que veja! "Quem tem ouvidos de ouvir, que ouça"! A
Humanidade realizou, até este dia. Incontestáveis progressos; os homens, por
sua inteligência, chegaram a resultados que jamais tinham atingido com relação
às ciências, às artes e ao bem-estar material; resta-lhes, ainda, um imenso
progresso a realizar: é o de fazer reinar entre eles a caridade, a fraternidade
e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral.
Não o podiam
nem com suas crenças, nem com suas instituições antiquadas, restos de uma outra
época, boas em uma certa época, suficientes para um estado transitório, mas
que, tendo dado o que elas comportam, seriam um atraso hoje.
Tal uma
criança é estimulada por móveis, impotentes quando vem a idade madura. Não é
mais somente o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a
elevação do sentimento, e para isto é preciso destruir tudo o que poderia
superexcitar neles o egoísmo e o orgulho.
Tal é o
período onde vão entrar doravante, e que marcará as fases principais da
Humanidade. Esta fase que se elabora neste momento, é o complemento necessário
do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude; ela
podia, pois, ser prevista e predita antecipadamente, e é por isto que se diz
que os tempos marcados por Deus são chegados.
Neste tempo,
não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a uma região, a
um povo, a uma raça; é um movimento universal que se opera no sentido do
progresso moral.
Uma nova
ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que lhe são os mais opostos
nela trabalham com o seu desconhecimento; a geração futura, desembaraçada das
escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á
animada de ideias e de sentimentos diferentes da geração presente que se vai a
passos de gigante.
O velho
mundo estará morto, e viverá na história, como hoje os tempos da Idade Média,
com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
De resto,
cada um sabe que a ordem das coisas atuais deixa a desejar; depois de ver, de
alguma sorte, esgotar o bem-estar material, que é o produto da inteligência,
chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão
no desenvolvimento moral.
Quanto mais
se avança, mais se sente o que falta, sem, no entanto, poder ainda defini-lo
claramente: é o efeito do trabalho intimo que se opera para a regeneração;
têm-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma
mudança tão radical, quanto a que se elabora, não pode se realizar sem comoção;
a luta inevitável entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso
e de revés; no entanto, como as ideias novas são as do progresso, e que o
progresso está nas leis da Natureza, elas não podem deixar de se impor sobre as
ideias retrógradas.
Forçosamente,
desse conflito, surgirão as perturbações temporárias, até que o terreno seja
desobstruído dos obstáculos que se opõem ao estabelecimento de um novo edifício
social.
Da luta das ideias
é que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não cataclismos, ou
catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram a consequência do
estado de formação da Terra; hoje, não são mais as entranhas do globo que se
agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade
é um ser coletivo em que se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser
individual, com esta diferença de que umas se cumprem de ano em ano, e as
outras de século em século.
Que sejam
acompanhadas, em suas evoluções através do tempo, e ver-se-á a vida das
diversas raças marcadas por períodos que dão a cada época uma fisionomia
particular.
Ao lado dos
movimentos parciais, há um movimento geral que dá o impulso à Humanidade
inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de
adiantamento.
Tal será uma
família composta de vários filhos dos quais o mais jovem está no berço e o
primogênito com a idade de dez anos, por exemplo. Em dez anos, o primogênito
terá vinte anos e será um homem; o mais jovem terá dez anos e, embora mais
avançado, será ainda uma criança; mas, a seu turno, tornar-se-á um homem.
Assim é com
as diferentes frações da Humanidade; os mais atrasados avançam, mas não
saberão, de um pulo, alcançar o nível dos mais avançados.
A
Humanidade, tornada adulta, tem novas necessidades, aspirações mais largas,
mais elevadas; compreende o vazio das ideias das quais foi embalada, a
insuficiência de suas instituições para a sua felicidade; ela não encontra
mais, no estado das coisas, as satisfações legitimas para as quais se sente
chamada; por isso ela sacode coeiros, e se lança impelida por uma força
irresistível, para as margens desconhecidas, para descoberta de novos
horizontes menos limitados.
E é no
momento em que ela se encontra muito pobremente em sua esfera material, onde a
vida intelectual transborda, onde o sentimento da espiritualidade desabrocha,
quantos homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio por doutrinas do
niilismo e do materialismo!
Estranha
aberração! Esses mesmos homens que pretendem impeli-la para a frente, se
esforçam por circunscrevê-la no circulo estreito da matéria; de onde ela aspira
sair; e lhe fecham o aspecto da vida infinita, e lhe dizem, em lhe mostrando o
túmulo: Nec plus ultra!
A
fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social; mas não há
fraternidade real, sólida e efetiva se não estiver apoiada sobre uma base
inabalável; essa base é a fé; não a fé de tais ou tais dogmas particulares que
mudam com o tempo e os povos e se lançam pedras, porque, anatematizando-se,
entretêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo
pode aceitar Deus, a a/ma, o futuro, O PROGRESSO INDIVIDUAL, INDEFINIDO, A
PERPETUIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES.
Quando todos
os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que esse
Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos
homens e não dele, se olharão como filhos de um mesmo pai e se estenderão a
mão.
É esta fé
que o Espiritismo dá, e que será doravante o pivô sobre o qual se moverá o
gênero humano, quaisquer que sejam suas maneiras de adorá-lo e suas crenças
particulares, que o Espiritismo respeita, mas da qual não tem que se ocupar. Só
dessa fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção
lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o direito é aquele que dá
a força; o dever, um código humano imposto pelo constrangimento.
Sem ela, o
que é o homem? um pouco de matéria que se desfaz, um ser efêmero que não faz
senso passar; o próprio gênio o uma centelha que brilha um instante para se
apagar para sempre; certamente, não há ali de que se isentar muito aos seus
próprios olhos.
Com um tal
pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres? Qual é o objetivo do
progresso? Sozinha, esta fé faz sentir ao homem sua dignidade pela perpetuidade
e o progresso do seu ser.
Não num
futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido;
seu pensamento se eleva acima da Terra; sente-se crescer pensando que tem seu
papel no Universo e que esse Universo é seu domínio que poderá um dia
percorrer, e que a morte dele não fará uma nulidade, ou um ser inútil a si
mesmo e aos outros.
O progresso
intelectual realizado até este dia. nas mas vastas proporções, é um grande
passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas sozinho é impotente para
regenerá-la; enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo,
utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e
de seus interesses pessoais; é por isso que os aplica ao aperfeiçoamento dos
meios de prejudicar aos outros e de se entre destruírem.
Só o
progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens sobre a Terra, colocando
um freio às más paixões; só ele pode fazer reinar entre eles a concórdia, a
paz, a fraternidade. Será ele que abaixará as barreiras dos povos, que fará
tombar os preconceitos de casta, e calar os antagonismos de seitas, ensinando
aos homens a se olharem como irmãos, chamados para se entre ajudarem e não
viverem às expensas uns dos outros.
Será ainda o
progresso moral, secundado aqui pelo progresso da
inteligência,
que confundirá os homens numa mesma crença, estabelecida sobre as verdades
eternas, não sujeitas à discussão e, por isto mesmo, aceitas por todos.
A unidade de
crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade
universal, quebrado em todos os tempos pelos antagonismos religiosos que
dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigos que é preciso
fugir, combater, exterminar, em lugar de irmãos que é preciso amar.
Um sinal não
menos característico do período em que entramos, é a reação evidente que se
opera no sentido das ideias espiritualistas, uma repulsa instintiva se
manifesta contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos
numerosos ou menos absolutos.
O espirito
de incredulidade que tinha se apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas,
e lhe tinha feito rejeitar, com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece
Ter tido um sono ao sair do qual experimenta a necessidade de respirar um ar
mais vivificante.
Involuntariamente,
onde o vazio se fez, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
Neste grande
movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o
Espiritismo ridículo inventado por uma critica zombeteira, mas o Espiritismo
filosófico, tal como o compreende quem se dá ao trabalho de procurar a amêndoa
sob a casca.
Já dissemos
em outro lugar: "Quanto mais uma ideia é grande, mais encontra ela
adversários, e pode se medir sua importância pela violência dos ataques dos
quais é objeto."
O número dos
retardatários é ainda grande, sem dúvida, mas o que podem contra a onda que
cresce, senão nela lançar algumas pedras? Esta onda é a regeneração que se
ergue, ao passo que eles desaparecem com a geração que se vai cada dia a
grandes passos. Até lá defenderão o terreno palmo a palmo; há, pois, uma luta
inevitável, mas uma luta desigual, porque é a do passado decrépito que cai em
farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da
criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos marcados para ele estão
chegados.
Allan
Kardec. Revista Espírita, outubro de 1866.
Dignificante,consoladora e esclarecedora mensagem.
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