Por que Deus
permite o mal? Essa questão inquieta o homem desde que ele desenvolveu o
pensamento filosófico. Obviamente, ninguém tem uma resposta exata para isso.
Mas podemos chegar próximo do entendimento da questão se revermos alguns velhos
conceitos equivocados.
Escrevi
sobre essa temática algum tempo atrás neste artigo: Por que Deus permite a dor
e a maldade?
Um dia
desses um amigo que acompanha o meu canal me perguntou:
– Por que
Deus permitiu a 2º Guerra Mundial? Como Deus permitiu que tantas atrocidades
fossem cometidas, que tantos crimes fossem perpetrados, que tantos milhões e
milhões de pessoas se matassem umas às outras em nome sabe-se lá o que?
A questão é
antiga. Equivale a perguntar por que Deus permite o mal; por que existe mal.
É claro que
existe o mal. Negar o mal é uma insensatez. Filosoficamente nós dizemos que o
mal é a ausência do bem, assim como a treva é a ausência da luz. Mas o fato é
que o mal existe, assim como a treva existe.
E nós
culpamos Deus por isso. Afinal, se existe Deus, e se foi Deus quem criou tudo,
então foi Deus que criou o mal e a treva, ou, pelo menos, Deus permite a
existência do mal e da treva.
Os espíritas
dizem, então, que Deus deu ao homem o livre arbítrio e que o homem é que
provoca o mal, por sua própria conta e risco. E, se o homem planta o mal,
evidentemente ele vai colher o mal.
É uma
meia-verdade. Nós vemos que na natureza já há dor, há animais que sofrem, há
animais que perseguem e animais que são perseguidos; e se eu fosse um animal eu
não gostaria de ser perseguido e devorado por uma fera. Se isso acontece com um
homem, se um homem se aventura, por exemplo, na savana africana e é caçado
pelos leões, nós podemos teorizar e dizer que ele está expiando um mal cometido
no passado. Mas e o animal? O animal que é perseguido e devorado por outro,
será que ele está expiando uma falta cometida numa outra existência? Mas o
animal não tem livre arbítrio, ele não é responsável pelos seus atos – como é
que se explica a dor, então?
Nós
falávamos do mal, agora falamos da dor, e você talvez nem tenha notado. É que
nós consideramos a dor como um mal. Sempre. Associamos uma coisa à outra. A dor
é o mal e o mal é dor.
Não podemos
negar a dor. Negar a dor é uma temeridade. A dor existe, isso é fato. Nenhum de
nós está livre dela. Por que Deus fez a dor? Não sabemos. Quando eu tento
explicar que o mal é um estágio necessário para o nosso desenvolvimento, alguém
me pergunta: mas por que Deus não nos fez perfeitos?
Aí termina a
conversa.
Termina a
conversa, porque aí entramos no campo da infantilidade, aquele tipo de birra
infantil: – “Mas por que é assim? Ah, mas não devia ser assim!”
Como não
devia ser assim?! Nós não estamos tratando da Constituição de um país, nós não
estamos tratando do sistema de produção de uma empresa. Nós estamos tratando de
Leis universais, que abrangem tudo o que conhecemos, que inquietaram os homens
desde que o homem desenvolveu o pensamento filosófico.
Não devia
ser assim! É assim e pronto! Como é que nós vamos lamentar algo que é
inevitável? Algo para o qual não há saída, não há alternativa, não há plano B?
Aí os
espíritos infantes se revoltam contra Deus, acham que Deus está errado, porque
não está bom. E se eles acham que não está bom, alguém está errado, nem que
seja Deus!
Deus é a
Lei. A Lei existe desde toda a eternidade, então não compete a nós, seres
rastejantes, avaliarmos se a Lei está correta ou não. Somos nós que percebemos
o mal e a dor, então somos nós que temos que procurar, dentro dos mecanismos da
Lei, o meio de nos livrar o mais rápido possível do mal e da dor. Negar o mal e
a dor não adianta. Eles existem e vão continuar existindo enquanto nós
estivermos nesse estado evolutivo rasteiro. Por que eles existem mas são
temporários – e se são temporários, em última análise, eles não são reais,
assim como este mundo sólido não é real. É claro que neste momento ele é real,
eu bato nesta mesa e ela é sólida.
Mas se nós
nos lembrarmos que de que nós somos imortais – nós não teremos fim: veja que
coisa fantástica, nós não termos fim! Nós, como individualidades que somos, não
teremos fim. Analisando assim, esses milênios ou esses milhões de anos de mal e
de dor, nós não sabemos há quanto tempo nós somos capazes de perceber o mal e a
dor. Mas esse tempo de mal e de dor é passageiro – é, na verdade, uma fração de
segundo na eternidade. Ou seja, no fundo, ele não é real. Só o que é real é o
que permanece, e só o que permanece é a nossa essência divina.
Esse
inconformismo com o mal e com a dor talvez seja fruto de um Cristianismo mal
compreendido. Nossa cultura judaico-cristã construiu, com o tempo, um Deus 100%
bom. Para isso inventaram o diabo. O mal e a dor existem; se eles existem, tem
que haver uma causa – inventaram o diabo, então, para levar a culpa pela
existência do mal e da dor.
O diabo não
existe. O diabo, como ser, não existe. Mas mesmo que existisse – vamos supor
que ele existe – se ele existe, ele foi criado por Deus. Se Deus permite a
existência do diabo, Deus é, no mínimo, conivente com o mal e com a dor. Uma
teologia de quinta categoria diz que Deus permite a existência do diabo para
nos testar.
Numa boa, se
Deus fosse um ser como pensam que ele é, um ser que permite a existência de um
outro ser, como pintam o diabo, só para nos testar, Deus seria um velho muito
sem vergonha!
Mas essa é a
visão infantil popularizada pelo Cristianismo. As antigas religiões não veem
Deus como totalmente bom. O budismo, por exemplo, nem fala em Deus, é uma
religião que prescinde da ideia de Deus – mas prega a supressão de todos os
desejos – para nós superarmos esse mundo de ilusão precisamos superar os
desejos: os desejos são materiais, e é exatamente através dos desejos materiais
que o diabo tenta Jesus no deserto.
O Baghavad
Gita, que é o livro sagrado mais difundido do hinduísmo, aqui no ocidente,
narra o diálogo do guerreiro Arjuna com Krishna. No capítulo 11 Arjuna insiste
com Krishna para conhecer todas as suas formas, e então Arjuna fica apavorado
ao reconhecer em Krishna formas terríveis. Porque se o mal existe, ele também
está dentro de Deus.
O que nós
conhecemos no ocidente é a Bíblia, e o que a Bíblia nos mostra, até o cativeiro
persa, ou seja, os 60% iniciais da Bíblia, é um Deus bom, mas também terrível.
O Deus do Antigo Testamento, principalmente no Pentateuco, era um Deus terrível
– ele era bom para quem ele gostava, mas ele também mandava matar
impiedosamente os que se atravessavam no caminho dos seus protegidos ou os que
ousassem desobedecê-lo.
A partir do
cativeiro persa, quando os israelitas tiveram contato com o zoroastrismo, a
partir daí foi adotada a ideia de um ser responsável por todo o mal, um ser
antagonista a Deus, que é o Diabo. A partir daí Deus deixa de ser o responsável
pelo mal.
Neste
sentido o ensinamento de Jesus é de um valor inestimável. Sabendo que Deus é a
Lei, e que a Lei se apresenta tanto como aquilo que nós entendemos como bem
quanto como aquilo que nós entendemos como mal, Jesus nos ensina a focar na
luz. Jesus diz que Deus é luz, Jesus diz que ele é a luz do mundo e Jesus diz
que nós somos a luz do mundo.
O
aperfeiçoamento do entendimento da Lei feito por Jesus é muito maior do que
parece à primeira vista. Jesus nos mostra a nossa responsabilidade, mostra que
existe o bem e o mal, e nos ensina a focar no bem – focar na luz. Não mais
medo, mas amor. Não mais proibições, mas ação benéfica. Não há um mal a ser
combatido, há um bem a ser construído. E essa construção é construção nossa.
É claro que
existe o mal. Existe a dor, isso faz parte do mundo em nosso estágio evolutivo.
Nós fomos capazes de fazer uma coisa terrível, como foi a 2º guerra mundial, e
fazemos coisas horríveis todos os dias. Mas também fazemos coisas boas, estamos
cada vez mais ocupados em nos elevarmos, em progredirmos espiritualmente, em
transformarmos a nós mesmos para que o mundo em que vivemos seja transformado.
Só assim esse estágio evolutivo em que existe o mal e a dor será superado.
Morel Felipe
Wilkon
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