A
mediunidade não é privilégio de raças e seu grau não se vincula a cor da
epiderme.
É recurso
misericordioso concedido ao homem para que ele possa ser instrumento das “vozes
do céu”.
E é por ela
que escrevo, não para verbalizar como outrora meus sentimentos de revolta e
descontentamento, pois o tempo e o conhecimento das leis da vida aplacaram
minha ignorância.
Testemunhei
inúmeras vezes as “vozes do céu” a se manifestarem nos redutos de sofrimento,
nas senzalas, onde não existia dignidade humana e o desespero e a dor eram o
pão de cada dia.
A escravidão
do corpo não impedia que o espírito se libertasse e alçasse voo através das
mensagens de esperança.
Nas
senzalas, fenômenos mediúnicos aconteciam de maneira farta, pois através da
mediunidade, o consolo chegava para aqueles que aguardavam a morte no
cativeiro.
A
desesperança se abrandava quando incorporações aconteciam e as vozes eram
ouvidas cantando a fé em uma vida nova.
Eram parentes
que feneceram na senzala e depois de mortos voltavam para falar da continuidade
da vida.
Pais
desencarnados que pediam coragem aos filhos, guias espirituais que aviavam
receitas para minimizar as dores e doenças do corpo.
A revolta e
a inconformidade eram aplacadas pelas vozes invisíveis ouvidas na senzala.
Mas existiam
noites especiais, onde se testemunhava que “anjos do céu” desciam à Terra,
porque mesmo no cativeiro a luz se fazia pelo amor de Deus por seus filhos.
Eram as
noites em que vozes de amor entoavam a canção de liberdade ensinada por um
Profeta Galileu.
Conta-se que
nessas noites um perfume diferente era sentido, que o sofrimento abrandava.
As vozes
diziam que o Profeta também foi cativo de uma cruz e que, mesmo inocente, Ele
não deixou de abraçá-la para redenção de todos os homens, seja qual for a cor
da sua pele.
As vozes
ensinavam o perdão, pediam paciência, conclamavam a união.
Não obstante
essa consoladora realidade, alguns corações cultivavam a revolta diante da
desumanidade com a qual os negros eram tratados.
E a vingança
e o crime eram defendidos por muitos.
Percebia-se
que as vozes guardavam sintonia com os homens de boa ou má conduta. Fossem eles
bons, sintonizavam-se com boas vozes, fossem eles maus, eram instrumentos das
vozes revoltosas.
Quantas
revoltas e crimes foram evitados pela intercessão dessas vozes que pediam
coragem e paciência!
Do lado
invisível, forças espirituais se movimentavam, a fim de fortalecer os corações
em sofrimento.
O Cativo da
cruz ensinara aos homens que a liberdade viria, mas que ela começaria por
dentro do coração.
Seu
evangelho ensina que cada espírito está atado ao tronco da própria ignorância e
da maldade, mas que a caridade traz a libertação, a alforria verdadeira.
Se não
houver luz por dentro da alma, não haverá luz na vida.
Fui filho de
religioso. Quando encarnado, tive contato com o evangelho e me perguntei muitas
vezes: Por onde anda esse tal Jesus, que não vem libertar minha gente?
Durante um
tempo acreditei que existissem dois Jesus, um para salvar os brancos e outro
para salvar os negros.
Em minhas
preces, pedia para que surgisse um Jesus para os negros, não entendia que Ele
não era Redentor de corpos, mas de almas.
Naqueles
tempos, o que meus olhos viam de dor e sofrimento cegavam minha alma, e
repudiei essa brandura e entendi que não seria Ele o Redentor.
Os navios
negreiros que aportavam entulhados de escravos diminuíam a minha fé e
aumentavam minha revolta.
Seres
humanos sendo tratados como animais por causa da cor da sua pele.
Fiz o que
pude, mudei de lado, voltei para o outro lado, paguei o preço das minhas
escolhas, até que o gosto do sangue em minha boca fez raiar a liberdade para o
meu espírito.
Morto
fisicamente, meus olhos se abriram para as coisas do espírito.
Em minhas
memórias, as invisíveis “vozes da senzala” sempre vão estar presentes, porque
encontrei consolo em suas mensagens.
Mensagens
que ensinavam que o Redentor estava no mundo, não para nos livrar das lutas do
mundo, mas para verdadeiramente libertar todo aquele que crê em Deus e entende
que só é livre de verdade aquele que ama a Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a si mesmo.
Podemos
entender a Terra como uma grande senzala, onde todos estamos ainda cativos, mas
em dimensões diferentes.
A dor
experimentada no cativeiro de carne é que abre os ouvidos humanos para os
valores imperecíveis da alma, daí muitos estão se voltando para ouvir e ler as
mensagens que chegam da dimensão espiritual.
A
mediunidade é neutra, mas o médium é o responsável pela mensagem que transmite,
pois deve se sintonizar com as bondosas e invisíveis “vozes na senzala”.
A liberdade
na Terra é relativa, pois a medida que amamos nos liberamos, mas quando o ódio
e a paixão nos envolvem, os grilhões aumentam e encarcerados ficamos.
José do
Patrocínio pelo médium Adeilson Salles
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