Vá lá,
ilustre leitor, desculpe, mas esse foi um título somente para chamar a sua
atenção, utilizando-se de um apelativo duplo sentido... um artifício, dada a
aridez do tema. Não, não se trata de um texto evangélico e nem da
culpabilização de entidades extracorpóreas voltadas ao mal de nossas mazelas
terrenas. Contrariando o senso comum atual, os demônios a que se referem o
presente texto são outros...
Falamos aqui
dos demônios interiores, que nos consomem dias a fio. Alimentados das nossas
tristezas, frustrações, medos e arrependimentos, são filhos dos fantasmas do
passado desta e de outra vida, e que arrastamos em nossas mentes, como uma
tormenta que nos conduz aos consultórios médicos, as clínicas terapêuticas e as
casas espíritas, na busca de uma solução ou quiçá, de um alívio a esse fardo.
Cada um tem
os seus, em maior ou menor lotação, e por vezes, nos vemos dominados por eles,
em uma possessão de dentro para fora e que termina por atrair outras
consciências que, utilizando dessas nossas sombras, nos fazem sofrer. Um
sofrimento oriundo do medo da própria dor, do remorso de decisões e da decepção
com a nossa fraqueza diante dos desafios que se colocam em nosso caminho de
crescimento espiritual.
Vai o
remédio, o tratamento espiritual, a conversa, a reflexão e assim vamos
conseguindo domar nossos demônios interiores, a espera de mais uma crise, uma
emersão que os tragam a superfície, a nos infernizar. Muitos buscam soluções
químicas, ou a violência da revolta, outros ainda perseguem santos e gurus, mas
eles ainda sim continuam lá, impressos em nossa alma, nos lembrando de sua
existência.
Vencê-los?
Ignorá-los? Superá-los? Acho melhor entendê-los... dialogar com eles, buscar
compreender a sua dimensão, as suas raízes, e contando com a ajuda de amigos,
profissionais e dos espíritos amigos, buscar a sua transcendência. Trazer eles
para o seu papel, de melhoria, de aguilhão que nos impulsiona da insondável estrada
da evolução.
O remorso de
algo negativo reclama a reparação... A tristeza demanda o recomeço
construtivo... A frustração nos leva a refletir sobre como o orgulho nos faz
subestimarmos a nós mesmos... O medo quando bebe da fé sincera e coerente, encontra
rachaduras em seus alicerces... De cada fantasma, de cada sombra, temos na
encarnação a oportunidade de trabalhá-los, fazendo luz, sem mágicas ou
milagres, mas de maneira produtiva, que não os permita vencer, mas que não os
extermine, pois são parte de nós e têm seu papel nessa narrativa.
Necessitamos
crescer com os nossos demônios interiores, sem que nos consumam. Precisamos
entendê-los como uma carta do passado que precisa ser reescrita. Construídos de
fatores de nossa história, esses algozes interiores alimentam e são alimentados
por nossa e por outras mentes, chamados erroneamente de demônios, e que são um
reflexo dos interiores, conhecidos de outros cenários, e que precisam de nossa
ação firme e produtiva para também se libertarem, na magia reencarnatória da
reconstrução de laços.
Paliativos
são válidos, mas, a luta interior, o bom combate no amadurecimento psicológico,
este não pode ser abandonado. Afinal, nossos problemas residem nos demônios
anteriores, que nada mais, nada menos são do que o homem velho que está lá,
oculto, ruminando suas questões e buscando chegar a superfície. E para essas
lutas, além das citadas ajudas da clínica, do hospital e do passe, temos outras
ferramentas imprescindíveis, como a palavra amiga e o bem desinteressado, todos
elementos fundamentais nesse processo de reconstrução, a remexer o decantado
lodo de nosso ser.
Nosso
interior, visto como porão ou como universo, é parte de nós, um local que não
vive apenas de lógica positivista, mas também de sentimento, e que interage
constantemente com o mundo exterior, pelos sentidos conhecidos ou não, e se
reconceitua a cada dia. Quando acabar a romagem terrestre e nos despirmos
dessas vestes carnais, será esse interior que sobrará e nos veremos mais
amiúde, de forma inevitável, com os demônios que ignoramos dialogar, nos
balanços periódicos entre uma encarnação e outra.
Fonte:
Correio Espírita.
Por Marcus
Vinicius de Azevedo Braga
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