Observa-se
que o pagamento da promessa quase sempre está condicionado ao benefício
recebido. Depois que a moça arranja marido ou o jovem passa no vestibular é que
ofertam ao santo as velas ou fazem as penitências. Primeiro o favor e depois o
pagamento!
Se para nada
se aproveita, que sentido pode ter para as divindades a despesa ou o sacrifício
das pessoas? Poderíamos fazer uma trova dizendo: “A luz que ilumina a alma/é
somente a da oração/porque a luz da vela acesa/só gera mais poluição. ”
O
Espiritismo traz-nos clareza sobre o assunto no Capítulo V de O Livro dos
Espíritos, em Privações Voluntárias. Mortificações. A pergunta 720 é: “São
meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias com o objetivo de uma
expiação igualmente voluntária? ” Resposta: “Fazei o bem ao vosso semelhante e
mais mérito terás. ”
Na questão
721, temos: “É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações
ascéticas que desde a mais remota antiguidade teve praticantes no seio de
diversos povos? ” Resposta: “Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a
resposta; se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é
egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si
mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a
caridade cristã. ”
A conclusão
a que nos leva o Espiritismo é que o dinheiro gasto nas velas, nas fitas, nas
flores, deveria ser gasto no pão para um faminto. A energia despendida para
subir a escada de joelhos ou para a longa caminhada, às vezes com o flagelo de
uma cruz nos ombros, deveria ser usada para ajudar alguém a erguer sua moradia,
para cuidar de uma criança pobre, para levar um doente até o hospital. Essa
energia tem seu gasto recompensado porque se fundamenta na caridade sem egoísmo
e sem esperar retribuições.
No que
concerne às autoflagelações que existem em muitas partes do mundo, quando o
homem crucifica-se ou agride-se com chicotadas ou outros petrechos, sangrando
suas costas, a questão 725 nos ensina: “P: Que se deve pensar das mutilações
operadas no corpo do homem ou dos animais?” R: “A que propósito, semelhante
questão? Ainda uma vez: perguntai sempre a vós mesmos se é útil aquilo de que
porventura se trate. A Deus não pode agradar o que seja inútil e o que for
nocivo Lhe será sempre desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível
aos sentimentos que elevem para ele a alma. Obedecendo-lhe a lei e não a
violando é que podereis forrar-vos ao jugo da vossa matéria terrestre. ”
Pensamos que
basta apenas um pouco de bom senso para saber que as oferendas ou as
penitências visando benefícios próprios não têm o menor sentido. Quanto às
romarias ou procissões a locais santos, além do valor turístico e cultural outra
finalidade não tem. Se para nos livrarmos dos pecados temos de ir a Santiago de
Compostela, a Jerusalém ou Roma, a Fátima ou Lourdes, a Meca ou Medina, a
grande maioria que é pobre neste planeta ficará sem acesso a esses benefícios.
Quando o homem tem o coração aberto e se abriga na simplicidade e na
solidariedade, Deus – e seus emissários – vem até ele, sem que precise viajar.
A única viagem que deve fazer é para dentro de si mesmo, renovando-se na fé e
acreditando que é filho dileto do Criador e merecedor de toda a Sua proteção. A
sintonia com a divindade não se faz em lugares determinados, mas na intimidade
do próprio coração.
Para
reforçar o que dissemos, ainda em O Livro dos Espíritos, na questão 726, está
dito que: “Os sofrimentos voluntários para nada servem, quando não concorrem
para o bem de outrem. Supões que se adiantam no caminho do progresso os que
abreviam a vida, mediante rigores sobre– humanos, como fazem os bonzos, os
faquires e alguns fanáticos de muitas seitas? Vistam o indigente, consolem o
que chora, trabalhem pelo que está enfermo; sofram privações para alívio dos
infelizes e então suas vidas serão úteis e, portanto, agradáveis a Deus. Sofrer
alguém voluntariamente, apenas para seu próprio bem, é egoísmo; sofrer pelos
outros é caridade: tais os preceitos do Cristo. ”
Para
finalizar, dizemos que quem deseja progredir, que trabalhe e estude sempre e
muito. Quem deseja ter felicidade, que modifique sua maneira de ser e de
pensar. Convém recordar a passagem da mãe que pediu ajuda ao preto velho para
seu filho passar nos exames escolares. O bom homem mandou o seguinte recado:
“Fala para o menino enfiar a cara nos livros, dia e noite, que preto velho vai ajudar.
” Receita simples para o sucesso!
Que nossa
penitência seja sempre a de esforçar-nos para melhorar e combater os nossos
defeitos; e nossa promessa, a de trabalhar pelo semelhante para ajudar na
harmonia do mundo. O resto é tempo perdido e pura ilusão.
A soberana
proposta do Espiritismo é que lutemos pela nossa renovação. É esta a finalidade
que nos traz de volta ao mundo material. Nada tem mérito se não for conquistado
com o próprio esforço, porque cada virtude adquirida corresponde à superação de
um defeito. Não se pode ser humilde e orgulhoso ao mesmo tempo. Imaginar que
podemos comprar nossa reforma íntima com uma vela acesa, um buquê de flores ou
uma penitência sem proveito é pura tolice. São os talismãs e patuás usados por
espíritos atrasados. Quem quer receber o bem, faça o bem. Não há outro caminho!
RIE-Revista
Internacional de Espiritismo – outubro de 2012
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