Apesar de já ter desencarnado
inúmeras vezes, pensar na morte ainda demonstra algumas características
errôneas de um possível fim. A despedida inesperada com uma sensação de adeus
perpétuo e não um simples até logo.
O estado de perturbação espiritual,
principalmente após uma morte violenta, pode fazer com que o espírito não
entenda os acontecimentos, nem recobre a memória, e pior, fazer com que o
espírito viva situações criadas pela sua consciência, como se estivesse
encarnado.
O conto abaixo retrata a história de
Mateus e sua mentora espiritual Clarissa. Em um ambiente alegórico, criado pela
consciência de Mateus, ambos irão refletir sobre a passagem do jovem, onde o
espírito guia irá ajudar o recém desencarnado a sair do estado de perturbação
espiritual.
A Estação
-Mateus?
Foi no instante em que percebeu a
realidade. Seu nome ecoava ante a grande arquitetura. Uma estação de trem
executada em aço e vidro dava a forma exuberante, a transparência e luminosidade,
fatores que compunham a paz envolta pelo leve som dos ventos nas árvores do
entorno.
-Olá, Mateus.
A mulher sentou-se ao lado do jovem.
Eles estavam em um banco de ferro num tom de azul claro, ornamentado em espiral
nas extremidades do banco.
-Clarissa, prazer.
Mateus continuava confuso, olhou para
o telhado da estação. As ferragens transformavam o topo do prédio em vários
triângulos. Com os vidros, a claridade do sol invadia cada canto do enorme e
limpo galpão.
A estação se manteve vazia desde que
o garoto pôde perceber sua presença naquele banco. Olhava para todos os
detalhes expressando sua característica de observador.
Reparou também em suas roupas brancas
e leves, material similar ao das roupas de Clarissa que vestia uma túnica com
detalhes em dourado. Notou então que deixava de usar sua camiseta e calça que
estava antes.
-O que faço nesta estação, Clarissa?
-Pela primeira vez durante todo o tempo daquela cena, Mateus se pronunciou.
-Eu sou uma amiga e vim te acompanhar
nesta viagem.
O olhar de Mateus ainda estava
penetrante, porém, perdido em seus próprios pensamentos. Sua confiança em
Clarissa aumentava a cada instante que estavam um perto do outro.
-Vamos pegar um trem e viajar? Qual
será o destino?
Clarissa tocou na mão de Mateus, se
aproximou e com sua voz suave e serena perguntou:
-Você não se lembra do acidente?
O toque de auxílio e as palavras
foram como um gatilho para a memória de Mateus. Em flashes, as imagens surgiram
em sua mente. Mateus morrera em um acidente de carro na viagem que fazia para
visitar seus tios e primos do interior.
O jovem pôs-se a chorar de forma
intensa e seus pensamentos ficaram agitados. Os ventos que balançavam as copas
das árvores ficaram mais agressivos, nuvens escuras tamparam a iluminação em
instantes e o único brilho da estação era o emanado por Clarissa em seus pontos
dourados.
-Mateus, acalme-se. Eu estarei aqui
com você, da maneira que estive em silêncio por toda a sua vida como o menino
Mateus.
Aos poucos Clarissa foi acalmando o
espírito recém desencarnado e a paz retornou a estação de trem.
-Quem é você, Clarissa?
-Eu sou sua mentora, como uma tutora
espiritual. Eu te auxilio a algum tempo, e nesta encarnação estivemos mais
próximos.
Agora a situação começara a fazer
mais sentido para Mateus que lembrara de alguns ensinamentos ao ouvir a palavra
encarnação.
-Minha família é espírita. – Aquela
afirmação era praticamente a aceitação de seu estado. – Então eu morri, não é
mesmo? Eu desencarnei, Clarissa.
É comum, no estado de perturbação
espiritual, o espírito recém desencarnado demorar para recobrar a memória e a
plena consciência de seu atual estado. Quando a energia de Mateus se estabeleceu,
Clarissa, sua mentora, pode se aproximar do espírito do jovem que tinha sofrido
de um desencarne rápido, porém violento.
-Se eu desencarnei, onde eu estou?
A pergunta do jovem era pertinente em
relação aos fatos decorrentes de seu desencarne.
Estavam indo viajar Mateus e sua
irmã, eles iriam passar as férias de verão na fazenda de seus tios no interior.
Quando seus pais o levavam para a estação de trem, um carro desgovernado bateu
no veículo da família. Todos os envolvidos ficaram levemente feridos, exceto
Mateus que desencarnara no mesmo instante. Quando os paramédicos chegaram,
constataram sua morte.
O espírito de Mateus acompanhou todo
o processo do luto de sua família, assim como seu enterro, sem perceber que
estava se tratando de si próprio e os dias que sucederam o acidente foram
horríveis, principalmente para sua irmã.
Mateus ainda pensava na viagem, na
casa de seus tios e primos e no trem que pegariam para a cidade do interior. O
espírito do jovem de 21 anos de idade ficará condicionado no estado de
perturbação espiritual de sua consciência a tal modo que Mateus sentou na
estação e lá esperou até aquele momento, até o chamado de sua mentora Clarissa.
-Você está esperando o trem Mateus.
Eu vim ajudar em seu embarque.
-Para onde nós vamos Clarissa? Vou
ver meus pais?
No fundo o jovem sabia que não os
veria por um tempo, e também sentia que precisava de ajuda e estar perto de sua
mentora o fazia bem.
-Você lembra de sua avó Teresa? Ela
disse que está com saudades.
-Vó Tereza.
O sorriso de Mateus não apenas
despertava esperanças em Clarissa de resgatá-lo, mas as lembranças de sua avó
fizeram com que a estação começasse a virar luz. Os vidros começaram a cair e
ao se chorarem com o chão se transformavam em radiantes feixes de luz.
Cada estrutura destruída era uma luz
ou um esclarecimento a mais dentro do espírito de Mateus. Era possível ver mais
de perto as árvores e ouvir o vento em cada folha tremulando nos galhos. Essa
barulho foi breve. O apito do trem se aproximava, cada vez mais perto, cada vez
mais forte.
Quando a última estrutura metálica da
estação caiu nos pés dos espíritos, eles se levantaram, e assim como a peça
destruída o banco de desfez em luz e calor. Foi questão de instantes, um breve
olhar. O trem estava lá, como ele esperava.
As portas dos vagões se abriram. A
Maria-Fumaça dera o apito de parada. Clarissa estendeu as mãos ao trem
mostrando à Mateus. Quando ele olhou, seguindo a mão de sua mentora, pode ver a
capa branca esvoaçada em meio ao cenário de luz.
Depoimento de um fumante após o seu
desencarne?
Mateus correu para o abraço de sua
avó. Ambos pouparam as palavras, pois apenas sentiam.
Clarissa os envolveu em seu braços. O
amor transbordando em energia luminosa e acalmava aquele cenário. Foi quando a
mentora, olhando para o jovem, disse:
– Podemos ir Mateus. Seu Trem Chegou.
Os espíritos subiram no vagão. As
portas se fecharam e o trem apitou três vezes. Sua partida foi magistral em
meio as árvores e a luz que envolvia a passagem do jovem Mateus para o plano
espiritual com o auxílio de sua mentora e de sua avó.
TV MUNDO MAIOR | Ricardo Guelfi de
Souza
Fonte: Chico de Minas Xavier
Nenhum comentário:
Postar um comentário