Há
uma impressionante narração do Espírito de uma mulher que queria
adentrar em “Nosso Lar”, pelos fundos, sendo impedida pelo
vigilante-chefe por se tratar de “forte vampiro” (trazia
impressos em seu perispírito (alma), cinquenta e oito pontos negros,
correspondentes a igual número de abortos que praticara…). Sua
admissão nas dependências de “Nosso Lar” colocaria em perigo os
pacientes lá internados.
IMPRESSIONANTE
DIÁLOGO COM O "VAMPIRO"...
Eram
21h. Ainda não havíamos descansado, a não ser durante alguma
conversa rápida, necessária para resolver algum problema
espiritual. Aqui, um doente que pedia alívio; ali, outro que
precisava de passes de reconforto. Quando fomos atender dois doentes
no Pavilhão 11, escutei gritaria por perto.
Instintivamente
quis me aproximar, mas Narcisa não deixou, dizendo atenciosa:
-
Não continue – disse. – Ali estão os perturbados do sexo. O
quadro seria muito chocante para você. Deixe essa questão para mais
tarde.
Não
insisti. Entretanto, meu cérebro fervia com mil perguntas. Um novo
mundo se abria para o meu estudo. Era indispensável lembrar do
conselho da mãe de Lísias a todo instante, para não me desviar do
caminho certo.
Logo
depois das 21h, chegou alguém dos fundos do grande complexo. Era um
homem pequeno, de rosto estranho, parecendo ser um trabalhador
humilde. Narcisa recebeu-o com gentileza, perguntando:
-
O que aconteceu, Justino? Qual é o recado?
O
companheiro, que fazia parte do grupo de vigias das Câmaras de
Retificação, respondeu aflito:
-
Vim avisar que uma pobre mulher está pedindo socorro no grande
portão que dá para os campos de plantação. Creio que passou
despercebida pela primeira linha de vigilantes.
-
E por que não a atendeu? – perguntou a enfermeira.
O
colaborador fez um gesto sem graça e explicou:
-
Não pude fazê-lo, por causa das ordens que tenho. A pobre mulher
está rodeada de pontos negros.
-
O que é que você está me dizendo? – respondeu Narcisa assustada.
-
Sim, senhora.
-
Então o caso é muito grave.
Curioso,
segui Narcisa pelo campo enluarado. A distância não era pequena.
Lado a lado, víamos as árvores do grande parque, agitadas pelo
vento tranquilo. Havíamos andado 1 km até chegar à cancela de que
Justinho havia falado.
Foi
aí que vimos a miserável figura de mulher que implorava socorro do
outro lado. Não vi nada além de seu vulto, coberta de trapos, rosto
horrendo e pernas cheias de feridas. Mas Narcisa parecia estar vendo
outros detalhes, que eu não conseguia enxergar, tendo em vista a
expressão de espanto que fez.
-
Filhos de Deus, - gritou a mendiga ao nos ver, - dêem abrigo à
minha alma cansada. Onde está o paraíso dos eleitos, para que eu
possa desfrutar da paz desejada?
Aquela
voz chorosa apertava -me o coração. Narcisa, no entanto, mesmo
comovida, cochichou-me:
-
Não está vendo os pontos negros?
-
Não – respondi.
-
Sua visão espiritual ainda não está bem treinada.
E,
depois de um tempo, continuou:
-
Se dependesse de mim, abriria o portão imediatamente. Mas, quando se
trata de criaturas nestas condições, não posso resolver nada
sozinha. Tenho que falar com o Vigilante-Chefe em serviço.
Dizendo
isso, aproximou-se da mulher e avisou, em tom amigo:
- Espere alguns minutos, por favor.
- Espere alguns minutos, por favor.
Voltamos
apressadamente para dentro do complexo. Pela primeira vez, encontrei
o diretor das sentinelas das Câmaras de Retificação. Narcisa me
apresentou e comunicou o fato. Ele fez um gesto e respondeu:
-
Fez muito bem em me avisar. Vamos até lá.
Fomos
os três para o local indicado.
Quando
chegamos à cancela, o irmão Paulo, orientador dos vigilantes,
examinou atentamente a recém-chegada do Umbral e disse:
-
Esta mulher, por enquanto, não pode receber a nossa ajuda. É um dos
vampiros mais fortes que já vi até hoje. Temos que deixá-la à
própria sorte.
Fiquei
horrorizado. Abandonar aquela sofredora ao azar não seria o mesmo
que faltar com as obrigações cristãs? Acho que Narcisa tinha a
mesma opinião, pois pediu aflita:
-
Mas, irmão Paulo, não há um modo de recebermos essa pobre criatura
nas Câmaras?
-
Se eu fizer isso, estarei traindo minhas funções de vigilante.
E
apontando a mendiga que esperava a decisão, gritando
impacientemente, disse para a enfermeira:
-
Narcisa, você já notou alguma coisa além dos pontos negros?
Agora
era a vez dela de dizer que não.
-
Pois eu vejo mais – respondeu o Vigilante-Chefe.
Baixando
a voz, recomendou:
-
Conte as manchas pretas.
Narcisa
olhou fixamente para a mulher e respondeu, depois de alguns minutos:
O
irmão Paulo, com a paciência de quem está acostumado a explicar
com amor, disse:
-
Esses pontos escuros representam 58 crianças assassinadas ao nascer,
umas por golpes, outras por asfixia. Em cada mancha vejo a imagem
mental de uma criança assassinada. Essa pobre mulher foi
profissional de ginecologia e, a pretexto de aliviar a consciência
dos outros, praticou crimes horríveis, explorando a infelicidade de
moças inexperientes. Sua situação é pior que a dos suicidas e
assassinos comuns que, muitas vezes, têm grandes atenuantes para
seus crimes.
Lembrei-me
assustado dos processos médicos em que, muitas vezes, havia encarado
de frente a necessidade de eliminar bebês para salvar a vida da mãe
em situação perigosa. Mas, lendo meus pensamentos, o irmão Paulo
acrescentou:
-
Não estou falando dos casos legítimos, que aparecem como provações
necessárias. Estou falando do crime de assassinar espíritos que
começam a experiência física, com direito sagrado à vida.
Demonstrando
muita sensibilidade, Narcisa pediu:
-
Irmão Paulo, eu também já errei muito no passado. Vamos atender a
esta infeliz.
Se
me permite, eu mesma posso cuidar dela.
-
Reconheço, minha amiga, - respondeu o diretor da vigilância,
impressionado pela sinceridade – que todos somos espíritos
endividados. Entretanto, a nosso favor temos o reconhecimento das
próprias fraquezas e a boa vontade para corrigir nossos erros. Mas,
por ora, esta criatura quer apenas perturbar quem trabalha. Aqueles
que têm os sentimentos viciados na hipocrisia, emitem energias
destrutivas. Para que serve o serviço de vigilância?
E
sorrindo, acrescentou:
-
Vamos tirar a prova.
O
Vigilante-Chefe então, aproximou-se do portão e perguntou:
-
O que quer a irmã de nós?
-
Socorro! Socorro!, socorro! – respondeu, lamentando-se.
-
Mas, minha amiga, – argumentou com razão, - é preciso saber
aceitar o sofrimento renovador. Por que você cortou tantas vezes a
vida de seres frágeis que íam à luta com a permissão de Deus?
Ouvindo
inquieta o que ele dizia, gritou com profunda expressão de ódio:
-
Quem me acusa dessa baixeza? Minha consciência está tranquila,
canalha!...
Passei
minha vida ajudando a maternidade na Terra. Fui caridosa e crente,
boa e pura...
-
Não é isso o que se vê nas imagens de seus pensamentos e atos.
Creio que a irmã ainda não pôde sentir o remorso saudável. Quando
resolver abrir o coração às bêncãos de Deus, reconhecendo as
próprias necessidades, então volte aqui.
Cheia
de raiva, a mulher respondeu:
-
Demônio! Feiticeiro! Seguidor de Satã!... Não vou voltar nunca!...
Estou esperando o céu que me prometeram e que espero encontrar.
Mais
firme ainda, o Vigilante-Chefe falou com autoridade:
-
Então, por favor, saia. Não temos aqui o céu que espera. Estamos
numa casa de trabalho, onde os doentes reconhecem seu mal e tentam se
curar, com a ajuda de colaboradores de boa vontade.
A
mendiga respondeu com atrevimento:
-
Não pedi remédio, nem serviço. Estou procurando o paraíso que fiz
por merecer, praticando boas obras.
E
olhando-nos com intensa raiva, perdeu a aparência de doente
ambulante e saiu com o passo firme, como quem está absolutamente
seguro de si.
O
irmão Paulo a acompanhou com o olhar durante vários minutos e,
virando-se para nós, ainda disse:
-
Viram como é um vampiro? Tem aparência de criminosa, mas declara-se
inocente; é profundamente má, mas afirma-se boa e pura; sofre
desesperadamente e alega tranquilidade; criou um inferno para si
própria, mas diz que está procurando o céu.
Diante
do silêncio com que o ouvíamos, o Vigilante-Chefe concluiu:
- É imprescindível tomar cuidado com as boas e as más aparências. Claro que a infeliz será atendida por Deus mais adiante, mas, até por uma questão de verdadeira caridade, na posição em que estou, não poderia abrir as portas para ela.
Fonte:
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