Somos
Espíritos animando, temporariamente, corpos de matéria densa. Nosso corpo
físico é instrumento importante para, vivendo na Terra, praticarmos o Bem a
quem quer que seja e aprendermos importantes lições para nossa evolução moral e
intelectual. Contudo, não somos nosso corpo, como nosso corpo físico não é a
roupa que vestimos. Todos nós, um dia, teremos de deixar esse equipamento de
matéria densa, por ocasião da morte do corpo físico.
Quanto mais
cientes, no raciocínio e no sentimento, de que não somos nosso corpo, mas sim
Espíritos imortais; e, principalmente, quanto mais tivermos praticado o Bem ao
próximo — também aprendendo, por esse bom hábito, que as pessoas importam mais
que as coisas —, mais breve e tranquilo será nosso período de adaptação à vida
em ambiente de matéria quintessenciada.
E essa
prática do Bem independe do credo que se professe, desde que essa crença tenha
por princípio a caridade, ou seja, o amor ao próximo na prática, sem impor
condições e sem esperar nada em troca.
Allan
Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, denominou esse período de
adaptação, entre a saída da encarnação e o retorno à vida no mundo espiritual,
de perturbação. O tema está abordado nas questões 163 a 165 de “O Livro dos
Espíritos”. Kardec indaga os Espíritos da Falange do Consolador sobre se o
conhecimento do Espiritismo auxilia nesta etapa de adaptação, obtendo as
seguintes orientações:
O
conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração, mais ou
menos longa, da perturbação?
“Influência
muito grande, por isso que o Espírito já antecipadamente compreendia a sua
situação. Mas, a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência
exercem.” [1]
Considerando
que o período de perturbação espiritual guarda estreita relação com o grau de
adiantamento do Espírito (“O Livro dos Espíritos”, questão 164), pode-se
evidenciar que a prática do Bem, ou seja, da caridade, é ainda mais importante
que o saber apenas intelectual.
Observemos a
situação dos Espíritos Benévolos (quinta classe, item 108 de “O Livro dos
Espíritos”, na Escala Espírita, proposta pelo Codificador, entre os itens 100 e
113 de “O Livro dos Espíritos”). Esses Espíritos, classificados como de segunda
ordem, ou seja, Espíritos Bons, apresentam como característica o maior
desenvolvimento moral do que o intelectual.
Como
exemplo, podemos citar o desligamento da personagem Adelaide, narrado por André
Luiz no livro “Obreiros da Vida Eterna” [2], que demonstra o quanto a prática
da caridade pode auxiliar neste momento:
“Felizmente,
porém, nossa querida Adelaide não dará trabalho. O ministério mediúnico, o
serviço incessante em benefício dos enfermos, o amparo materno aos órfãos nesta
casa de paz, aliados aos profundos desgostos e duras pedradas que constituem
abençoado ônus das missões do bem, prepararam-lhe a alma para esta hora… (…)
– Aliás,
cumpre-nos destacar as condições excepcionais em que partirá nossa amiga. Em
tais circunstâncias, apenas lastimo aqueles que se agarram em demasia aos
caprichos carnais. Para esses, sim, a situação não é agradável, porquanto o
semeador de espinhos não pode aguardar colheita de flores. Os que se consagram
à preparação do futuro com a vida eterna, através de manifestações de espiritualidade
superior, instintivamente aprendem todos os dias a morrer para a existência
inferior.”
A Doutrina
Espírita propõe desmistificar a morte do corpo físico, demonstrando que já
passamos por essa experiência muitas vezes; e, periodicamente, por misericórdia
de Deus, recebemos oportunidades de retornar à Terra para apreender lições e
auxiliar o próximo, até completarmos nosso aprendizado neste planeta e
seguirmos nossa caminhada evolutiva em mundos mais avançados.
Contudo, o
Espiritismo não professa que só quem for espírita “será salvo”, ou seja,
evoluirá.
Na Revista
Espírita de outubro de 1866, no item denominado “Os Tempos São Chegados”
(comentado na postagem “Amar o Próximo”, neste blog); bem como em “O Evangelho
Segundo o Espiritismo”, Capítulo XV (“Fora da Caridade não Há Salvação”),
demonstra-se o entendimento da Doutrina Espírita a esse respeito. Kardec
ressalta o caráter progressivo do Espiritismo (abordado na postagem
“Hermenêutica, Exegese e Espiritismo”, neste blog), como o é a Ciência terrena.
É preciso sejamos humildes e conscientes de não possuir o entendimento completo
da verdade, da qual somente Deus é pleno possuidor. Devemos sempre buscar
aprender e compreender melhor a vida e o Universo. Reproduzimos trecho do
capítulo citado de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:
“A máxima —
Fora da caridade não há salvação consagra o princípio da igualdade perante Deus
e da liberdade de consciência. Tendo-a por norma, todos os homens são irmãos e,
qualquer que seja a maneira por que adorem o Criador, eles se estendem as mãos
e oram uns pelos outros. (…)
O
Espiritismo, de acordo com o Evangelho, admitindo a salvação para todos,
independente de qualquer crença, contanto que a lei de Deus seja observada, não
diz: Fora do Espiritismo não há salvação; e, como não pretende ensinar ainda
toda a verdade, também não diz: Fora da verdade não há salvação, pois que esta
máxima separaria em lugar de unir e perpetuaria os antagonismos.” [3]
O
Codificador, questionando objetivamente os Espíritos Superiores acerca deste
tema, foi assim esclarecido:
Será
necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações
espíritas, para termos assegurada a nossa sorte na vida futura?
“Se assim
fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não creem, ou que não
tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte
futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele
conduza.” [4]
Concluímos
com o comentário de Kardec sobre a questão acima mencionada, ressaltando a
liberdade de consciência e foco no Bem, professados pela Doutrina Espírita.
“A crença no
Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos
pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque
faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que
nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e
resignação; afasta-o dos atos que possam retardar lhe a felicidade, mas ninguém
diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.”
Antonio
Carlos Piesigilli
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