Antes de
mais nada temos que ter mente que a noção originária de Exu vem da África de
milênios atrás. Eles não tinham a noção judaico-cristã que nós temos de Bem e
Mal. Isso de separar categoricamente o que é do Bem e o que é do Mal – como se
Bem e Mal fossem compartimentos isolados – existe para nós, Ocidentais, que
sofremos a influência judaico-cristã.
Exu
originalmente é um Orixá, uma força – podemos dizer uma força da Natureza. O orixá
Exu representa o movimento. A palavra Exu em iorubá quer dizer “esfera”. Na
verdade, Exu representa o movimento em espiral em que acontece a nossa
evolução. A evolução espiritual acontece numa espiral. Nós repetimos
experiências muitas vezes, por isso temos a impressão de que andamos em
círculos. Mas esses círculos são ascendentes e cada vez mais amplos.
A vida é
movimento. Nós temos esse entendimento no Evangelho quando Jesus diz, em João
5:17: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”, ou seja, Deus nunca
deixou de trabalhar, Deus está sempre trabalhando, a criação é infinita – a
vida é movimento.
E esse
movimento, para os iorubás, se manifestava, principalmente, na necessidade, em
primeiro lugar, de perpetuação da espécie; e, em segundo lugar, no aumento da
população. Em termos individuais, a continuação do ser através dos seus
descendentes e o aumento do prestígio, do poder e da influência através de uma
grande prole. Isso tem paralelo na Bíblia, quando Deus ordena a Adão e Eva:
“crescei e multiplicai-vos” e na importância que tinha para os israelitas uma
prole fecunda.
Por conta
desse entendimento de Exu como a energia do movimento da vida ligado ao sexo é
que, muito mais tarde, Exu vai ser associado, na nossa cultura ocidental, à
sensualidade, ao desejo, à luxúria. Mas esse não era o entendimento original. O
maior desejo, tanto para o iorubá quanto para o antigo israelita, era ter
muitas mulheres e que cada uma das mulheres lhe desse muitos filhos. Eu estou
citando os iorubás e os antigos israelitas por ser uma comparação ao alcance de
todos – mas os povos antigos, de um modo geral, tinham as mesmas preocupações.
A energia
sexual associada a Exu é que estava por trás desse desejo de muitas mulheres e
muitos filhos. Jacó, mais tarde chamado Israel, teve quatro mulheres e doze
filhos.
A mulher
também, por sua vez, desejava ter muitos filhos. Raquel, a mulher amada de
Jacó, era estéril e infeliz – mais tarde deu dois filhos a Jacó, José e
Benjamin. As mulheres iorubás cultuavam Exu representado por um monte de terra
em formato fálico (em formato do membro masculino), pois o falo estava, por
razões óbvias, associado à fertilidade, à força, ao vigor.
Em Gênesis
24:2-9, Abraão pede ao seu servo mais velho que faça um juramento, e para isso
pede que o servo ponha a mão debaixo da sua coxa. Mais tarde, em Gênesis 47:29,
Jacó pede ao seu filho amado José que faça a mesma coisa. Colocar a mão debaixo
da coxa é um eufemismo para se referir às partes íntimas, muito provavelmente
quem jurava segurava os testículos do homem a quem ele estava prestando
juramento.
Hoje isso
parece uma coisa muito estranha – mas também seria estranho hoje um homem
querer ter muitas mulheres para ter muitos filhos. Os tempos são outros, o
entendimento das coisas é outro. A verdade é que, embora de um modo que às
vezes nos parece infantil, os povos antigos tinham um entendimento do sagrado
muito mais profundo do que nós. E o sexo como força reprodutiva era algo
absolutamente sagrado.
Quando os
africanos vieram ao Brasil como escravos, suas manifestações religiosas foram
reprimidas e houve um lento processo de sincretismo. Para poderem continuar com
a sua religião, tiveram que adaptar. Os orixás foram associados a santos
católicos, e as características dos orixás foram assimilando conceitos
judaico-cristãos.
Como a
religião africana não tinha os conceito de Bem e Mal como o catolicismo, pelo
menos um orixá tinha que representar o diabo – e esse papel sobrou para Exu. Na
verdade os orixás, como forças que são, são neutros – não bons ou maus como nós
os entendemos. Eles podem ter funções positivas ou negativas, como qualquer
força. A mesma força que produz a iluminação artificial que lhe permite ler
esse artigo pode lhe matar (ou pelo menos machucar) numa descarga elétrica.
Espiritismo
e Umbanda
A Umbanda é
religião brasileira, nascida dentro de um centro espírita. A Umbanda, então,
tem muita influência do Espiritismo. As entidades que se apresentam como Exus
na Umbanda são espíritos, não são o orixá Exu. O orixá se apresenta no
Candomblé, que eu não conheço, e no batuque, que é como chamam aqui no Sul a
religião de nação africana.
Mas na
Umbanda as entidades que se manifestam são espíritos. E aí nós vemos muita
confusão. Existem hoje duas tendências opostas: uma que vê o Exu como um espírito
voltado para o Mal, um espírito que atua com magia negra, que faz serviços
pagos. Outra que defende que os Exus são espíritos de luz, seres muito
iluminados que trabalham como verdadeiros missionários.
No primeiro
caso, é comum nós vermos, nesses programas de televisão de igrejas, os pastores
entrevistando pessoas possuídas por espíritos. É claro que às vezes há muita
encenação. Mas nós vemos que esses espíritos muitas vezes se apresentam como
Exus. São espíritos ignorantes que tomam um nome qualquer. Se o assunto lhe
interessa, recomendo que você leia o artigo (ou assita ao vídeo) Quem são os
espíritos que incorporam nas igrejas evangélicas? Também no centro espírita
(dependendo do centro espírita) às vezes algum obsessor se apresenta como
Exu-não-sei-das-quantas; ou esses espíritos são identificados assim por algum
médium. Na verdade esses espíritos, na religião africana, são chamados de
kiumbas, não têm nada a ver com Exus.
Os Exus,
como espíritos, formam falanges. Grandes grupos de espíritos que atuam como uma
ordem de trabalho. É assim com os pretos-velhos ou com os caboclos, na Umbanda.
São ordens de trabalho. De forma semelhante nós vemos, em Nosso Lar, os
samaritanos. As falanges da Umbanda são compostas por espíritos que abrem mão
da sua identidade pessoal, temporariamente, para atuar em nome de uma causa – e
essa causa é a caridade.
Os espíritos
que atuam nas falanges de Exu são os responsáveis por um trabalho para o qual
outros espíritos não estão preparados. Isso não faz deles seres melhores ou piores
do que nós. São apenas características diferentes. Podemos tomar como exemplo
um agente penitenciário. Ele vai trabalhar no meio de pessoas da pior espécie,
num ambiente muito pesado. É um trabalho digno e necessário – mas pode ser
visto como um serviço sujo; e os agentes penitenciários que eu conheço não são
exatamente exemplos de delicadeza. Mas isso são apenas características.
O fato de o
orixá Exu representar o movimento da vida influencia em muitos aspectos que nós
consideramos geralmente como negativos. Se Exu é movimento da vida, os
espíritos associados a Exu são os responsáveis pelo cemitério, que representa o
movimento entre o plano material e o plano astral; são os responsáveis pelas
encruzilhadas, que é onde se cruzam os diferentes caminhos; e, de um modo
geral, todas as entradas e saídas.
Orixás são
forças – e as forças têm o lado positivo e o lado negativo. Espíritos são
espíritos; não importa o nome, as vestes, o modo de falar. A esse propósito
Allan Kardec faz uma advertência em O Livro dos Médiuns: “Não se deve julgar da
qualidade do Espírito pela forma material, nem pela correção do estilo. É
preciso sondar-lhe o íntimo, analisar-lhe as palavras, pesá-las friamente,
maduramente e sem prevenção”.
Morel Felipe
Wilkon
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