As pesquisas
científicas mais recentes são categóricas em afirmar que a fé religiosa
interfere positivamente na capacidade de recuperação de um doente. Por outro
lado, existem pessoas que atribuem à sua fé religiosa seu estado de saúde
plena.
Sem dúvida,
a fé é um recurso transformador da mente, porém, sem discernimento ela deságua
no fanatismo e no preconceito, o que é sempre pernicioso. Os bens espirituais
não são materiais ou físicos, por isso, as bênçãos divinas não podem ser
medidas pelo sucesso financeiro ou pelo vigor físico de um indivíduo.
Mas ajuntai
tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões
não minam nem roubam. Mateus 6:20
O que
pretendemos discutir neste artigo é o outro lado da moeda. Será o doente um
indivíduo sem fé, sem Deus? Será que o otimismo, o pensamento positivo, a boa
vontade, a fé em Deus são suficientes para que tenhamos saúde?
Todas as
doenças têm causas multifatoriais. Existe um componente físico, um emocional e
outro espiritual. A conjunção dos três níveis de desequilíbrio é que abre as
portas do organismo humano para a instalação de doenças.
Choca-me a
forma recorrente e incisiva com que pessoas esclarecidas, atuantes dentro de
comunidades religiosas as mais diversas, afirmam que para elas a depressão é
falta de Deus. Como se se tratasse de uma questão de escolha. Chegam a cogitar
que os medicamentos antidepressivos seriam os responsáveis pela doença. É lastimável
que essa visão distorcida seja tão presente em nossa sociedade.
Trata-se de
questão relevante, pois o doente com depressão tem ao seu lado, em sua família,
pessoas com esse pensamento. O que resulta em um retardo no diagnóstico,
prolonga o sofrimento do deprimido e, boicota seu tratamento. Essa visão se
transfere ao doente e, ele sente-se ainda pior. Considera-se fraco, incapaz ou
indolente.
As pessoas
que assim pensam cometem vários erros do ponto de vista médico e, outros tantos
do ponto de vista evangélico. Elas assim agem por interpretarem os sintomas
dessa doença como puramente emocionais ou como falhas de caráter. Desconhecem
os mistérios da mente em sua interação complexa envolvendo o universo
biológico, emocional e espiritual.
O religioso
precipitado julga o doente ignorando o verdadeiro mecanismo da sua doença, que
é expressão de anomalia física e não de anomalia de caráter. Assim como o
diabetes traduz a falta de insulina, a depressão reflete déficit de
neuro-hormônios no cérebro.
Existe, logicamente,
um intricado emaranhamento entre questões emocionais e o curso mais ou menos
favorável dessa condição, como em qualquer outra situação de desequilíbrio
orgânico.
Portanto
nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz
as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações;
e então cada um receberá de Deus o seu louvor. I Coríntios 4:5
É
interessante como a humanidade repete, incansavelmente, os mesmos erros de seu
passado. Os Hansenianos contemporâneos de Jesus eram tidos como malditos e
pecadores, como vítimas do castigo divino.
Sob o prisma
da medicina sabemos que humor é uma função da mente regulada por
neuro-hormonios. A pessoa com distúrbio do humor não está triste ou alegre. Ela
está deprimida ou eufórica. Em medicina não são sinônimos, podemos ter uma
pessoa deprimida e alegre e, uma pessoa em euforia e triste. A tristeza é um
sentimento em reação a um fato exterior. A depressão não depende de cau sa
externa, daí o termo depressão endógena.
Quando
ocorre uma diminuição da produção de neuro-hormônios, especialmente da
serotonina, ocorre alteração do humor no sentido da depressão. A euforia é mais
rara e, associa-se a um distúrbio da mente mais severo conhecido como doença
bipolar.
A depressão
endógena, portanto, reflete déficit de neurotransmissores e a etiologia desse
déficit por sua vez é multifatorial. A influência genética é bastante evidente.
Trata-se de condição mais frequente na mulher em função da flutuação hormonal
que ela sofre. A progesterona, hormônio da segunda fase do ciclo e, da
gravidez, predispõe à depleção de serotonina, por isso a tendência feminina
para alterações do humor na fase pré-menstrual.
Trata-se de
doença com caráter cíclico e recorrente. Os episódios de depressão costumam ser
longos durando entre seis meses e dois anos. Em suas formas graves pode levar a
uma profunda apatia, sensação de intenso pesar que pode levar o deprimido até
extremos como o do suicídio.
As formas
leves muitas vezes são negligenciadas, pois tem manifestação algo diferente. A
pessoa fica irritada, ansiosa, intolerante, pode desenvolver pânico ou
comportamento obsessivo compulsivo. Mesmo em sua forma leve a depressão
compromete bastante a qualidade de vida do seu portador, compromete ainda seus
relacionamentos profissionais e pessoais. São pessoas tidas como chatas,
arrogantes, perfeccionistas, intransigentes ou cheias de manias.
A Distimia é
um distúrbio crônico do humor, uma forma mais leve da depressão endógena que se
caracteriza por persistir por períodos maiores que dois anos e por
manifestar-se com humor mais irritável do que depressivo.
Os
exercícios físicos liberam endorfinas na corrente sanguínea as quais tem ação
antidepressiva natural. O chocolate, fonte de triptofano, um precursor da
serotonina, também tem ação antidepressiva. Atualmente existem medicamentos
seletivos e seguros para o tratamento da depressão. São os antidepressivos, que
não devem ser confundidos com sedativos, hipnóticos ou tranquilizantes. Estes
últimos causam dependência química, o que não acontece com os medicamentos
específicos para depressão.
Infelizmente,
drogas ilícitas e lícitas, como o álcool, também têm algum efeito
antidepressivo transitório. Isso leva, comumente, ao seu uso abusivo pelos
doentes em função de um busca por alívio instantâneo do desconforto que os
consomem, especialmente, naquelas pessoas que não se sabem ou não se admitem
doentes.
Assim, o
risco de desenvolvimento de dependência química entre os deprimidos é
aumentado. Não é incomum que o diagnóstico de depressão endógena só seja feito
após a instalação de uma dependência química, especialmente entre os
adolescentes.
Os
antidepressivos ainda que bastante eficientes devem ser associados a exercício
físico e ao suporte emocional para que se obtenha um bom controle das crises
depressivas. Tal medicação pode ser usada por extensos períodos, de acordo com
a forma da doença e a necessidade de cada doente.
O suporte
espiritual é também fundamental para o depressivo. Reduz a influência exterior
negativa (obsessão) e, aumenta a capacidade de reagir à doença através da busca
serena de soluções seguras. Quando afirmamos que a depressão é falta de Deus
estamos julgando um doente como um simulador ou como um auto agressor. Estamos
julgando o doente como fraco e, sem vontade. E pior, como distante de Deus.
Quantos enganos em relação ao Evangelho do Cristo? Ele, o Cristo, nos conclama
a não julgarmos, a sermos compassivos e misericordiosos.
Bem-aventurados
os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Mateus 5:7
Todas as
doenças enfrentadas com o auxílio divino são mais leves e tornam-se instrumento
de educação do espírito encarnado. Tendo fé a nossa dor tem um sentido, faz
parte de um conjunto de bênçãos do criador em favor de nossa evolução rumo aos
paramos celestiais. Com fé lutaremos pela vida e pela disposição, sem revolta e
com inteligência.
Tendo fé
usaremos todas as armas terapêuticas em nosso benefício e pelo tempo necessário
conforme essa necessidade se imponha. Caso não precisemos de medicação,
usaremos apenas os exercícios físicos e o apoio emocional como alternativa
suficiente, já que múltiplos são os tratamentos eficazes em relação a essa
doença.
A premissa
que depressão é falta do que fazer, falta de Deus, chilique... É desinformada e
cruel. A informação sobre essa condição permitirá que pessoas saudáveis acolham
respeitosamente as necessidades dos doentes com os quais convivem.
E, para
finalizarmos, levantamos uma evidência óbvia de que a depressão não tem como
causa, em hipótese alguma, a falta de Deus: os índices dessa doença são
semelhantes entre ateus e teístas.
Dra-Giselle
Fachetti Machado- Medicina e Espiritualidade
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