
- Por essas palavras, Jesus claramente anuncia
que os homens um dia se unirão por uma crença única; mas, como poderá
efetuar-se essa união? Difícil parecerá isso, tendo-se em vista as diferenças
que existem entre as religiões, o antagonismo que elas alimentam entre seus
adeptos, a obstinação que manifestam em se acreditarem na posse exclusiva da
verdade. Todas querem a unidade, mas cada uma se lisonjeia de que essa unidade
se fará em seu proveito e nenhuma admite a possibilidade de fazer qualquer
concessão, no que respeita às suas crenças.
Entretanto,
a unidade se fará em religião, como já tende a fazer-se socialmente,
politicamente, comercialmente, pela queda das barreiras que separam os povos,
pela assimilação dos costumes, dos usos, da linguagem (1). Os povos do mundo
inteiro já confraternizam, como os das províncias de um mesmo império.
Pressente-se essa unidade e todos a desejam. Ela se fará pela força das coisas,
porque há de tornar-se uma necessidade, para que se estreitem os laços da
fraternidade entre as nações; far-se-á pelo desenvolvimento da razão humana,
que se tornará apta a compreender a puerilidade de todas as dissidências; pelo
progresso das ciências, a demonstrar cada dia mais os erros materiais sobre que
tais dissidências assentam e a destacar pouco a pouco das suas fiadas as pedras
estragadas. Demolindo nas religiões o que é obra dos homens e fruto de sua
ignorância das leis da Natureza, a Ciência não poderá destruir, mau grado à
opinião de alguns, o que é obra de Deus e eterna verdade. Afastando os
acessórios, ela prepara as vias para a unidade.
A fim de
chegarem a esta, as religiões terão que encontrar-se num terreno neutro, se bem
que comum a todas; para isso, todas terão que fazer concessões e sacrifícios
mais ou menos importantes, conformemente à multiplicidade dos seus dogmas
particulares. Mas, em virtude do processo de imutabilidade que todas professam,
a iniciativa das concessões não poderá partir do campo oficial; em lugar de
tomarem no alto o ponto de partida, tomá-lo-ão em baixo por iniciativa
individual. Desde algum tempo, um movimento se vem operando de
descentralização, tendente a adquirir irresistível força. O princípio da
imutabilidade, que as religiões hão sempre considerado uma égide conservadora,
tornar-se-á elemento de destruição, dado que, imobilizando-se, ao passo que a
sociedade caminha para a frente, os cultos serão ultrapassados e depois
absorvidos pela corrente das idéias de progressão.
A
imobilidade, em vez de ser uma força, torna-se uma causa de fraqueza e de ruína
para quem não acompanha o movimento geral; ela quebra a unidade, porque os que
querem avançar se separam dos que se obstinam em permanecer parados.
No estado
atual da opinião e dos conhecimentos, a religião, que terá de congregar um dia
todos os homens sob o mesmo estandarte, será a que melhor satisfaça à razão e
às legítimas aspirações do coração e do espírito; que não seja em nenhum ponto
desmentida pela ciência positiva; que, em vez de se imobilizar, acompanhe a
Humanidade em sua marcha progressiva, sem nunca deixar que a ultrapassem; que
não for nem exclusivista, nem intolerante; que for a emancipadora da
inteligência, com o não admitir senão a fé racional; aquela cujo código de
moral seja o mais puro, o mais lógico, o mais de harmonia com as necessidades
sociais, o mais apropriado, enfim, a fundar na Terra o reinado do Bem, pela
prática da caridade e da fraternidade universais.
O que
alimenta o antagonismo entre as religiões é a ideia, generalizada por todas
elas, de que cada uma tem o seu deus particular e a pretensão de que este é o
único verdadeiro e o mais poderoso, em luta constante com os deuses dos outros
cultos e ocupado em lhes combater a influência. Quando elas se houverem
convencido de que só existe um Deus no Universo e que, em definitiva, ele é o
mesmo que elas adoram sob os nomes de Jeová, Alá ou Deus; quando se puserem de
acordo sobre os atributos essenciais da Divindade, compreenderão que, sendo um
único o Ser, uma única tem que ser a vontade suprema; estender-se-ão as mãos
umas às outras, como os servidores de um mesmo Mestre e os filhos de um mesmo
Pai e, assim, grande passo terão dado para a unidade.
Fonte: 'A
Gênese" de Alan Kardec