A paz é a mais elevada das virtudes. É o anseio secreto de
todos os seres. Ela é uma profunda aceitação daquilo que é. É não se opor a
nada ou ninguém. A paz brota da entrega: você entrega todos os seus problemas à
Deus e deixa que o fluxo da vida a leve. Entregar significa não pensar mais a
respeito. Você relaxa e sente autoconfiança. Para isso, é preciso abrir mão do
controle. A paz, portanto, nasce de um profundo confiar.
Olhando para trás, revendo a minha história pessoal, vejo
que a minha busca pela paz começou quando ainda era muito jovem. Antes mesmo da
adolescência, entrei numa escola de conhecimentos espirituais. Certa vez, um
professor disse: “As pessoas se autodenominam humanas, mas na verdade, são
humanóides – criaturas com cérebro grande e duas pernas que se passam por seres
humanos. Na condição atual as pessoas são incapazes de perceber o que realmente
precisam. Acreditam que serão felizes se obtiverem este ou aquele objeto ou
título, mas toda essa ganância somente mostra que são ainda muito imaturos para
entenderem que a verdadeira felicidade somente nasce da paz no coração e na
mente.” Quando eu ouvi isso, pensei: “Será que ele está se referindo a mim?”
Até aquele ponto, tudo indicava que a paz poderia ser
atingida somente através do domínio sobre a matéria. E, de repente, ouvir essa
devastadora crítica sobre a humanidade, e perceber nas profundezas do meu
coração que isso era verdade, foi como um nocaute. Mas, esse ensinamento abriu
as portas da verdade para mim.
Eu pude perceber que a vida frequentemente se resumia em uma
eterna tentativa de forçar o outro a nos amar, e que podemos desperdiçar uma
vida inteira nessa busca inútil. Uma vez que, no mais profundo, você sabe que
amor forçado não é amor, facilmente você encontra razões para lamentar que não
é amado. Com isso, você se distrai e se desvia ainda mais do objetivo de
atingir a paz interior.
Eu compreendi que a paz duradoura somente pode ser alcançada
quando você se liberta da necessidade de receber amor exclusivo, pois esta é a
fonte de todo o sofrimento. Eu diria que essa é a principal doença da
humanidade. Daí nasce o pensar compulsivo e todos os outros desdobramentos. O
sofrimento é o principal enigma da humanidade. Este é o principal desafio: como
superar o sofrimento? Como superar a dor em todas as suas manifestações? Em
outras palavras, como alcançar a paz?
Através da minha experiência, no trilhar do Caminho do
Coração, eu descobri algumas chaves que abrem as portas para o despertar da paz
interior, as quais eu compartilho com você agora:
Primeira chave: Silêncio.
O silêncio é uma forma de bater na porta do salão da
verdade. Ele é a base que te prepara para qualquer prática; é o alicerce do
edifício da consciência. Tudo que é belo e verdadeiro nasce do silêncio.
Um instante de silêncio é suficiente para exorcizar todos os
demônios, porque os demônios são os pensamentos. Se existe um pensamento
compulsivo constantemente assombrando a sua mente, é porque você deu muita
atenção a ele, ou seja, você o alimentou acreditando nele. Mas, ao aquietar a
mente, todos os fantasmas desaparecem. Não importa quão antiga seja a
escuridão, uma pequena fresta de luz dissipa toda escuridão porque ela é
somente a ausência de luz. O silêncio invoca a luz. Quando a mente se acalma,
tudo se acalma.
O preço para a realização espiritual é a solidão. Em algum
momento você vai ter que encarar a si próprio. Por isso é fundamental aprender
a ficar sozinho e em silêncio. Você também pode chamar esta prática de
meditação. Mas, eu não quero que você se perca no labirinto das idéias e
conceitos, na ginástica do intelecto. Permita-se apenas ficar retirado e em
silêncio, observando a grama crescer. Abandone toda a pressa e todo o desejo de
chegar a algum lugar. Feche os olhos e focalize no ponto entre as sobrancelhas.
Brinque de cultivar o silêncio.
Segunda chave: Verdade.
Falar a verdade não quer dizer que você vai sair por aí
dizendo aos outros tudo o que pensa ser verdade, desconsiderando o fato do
outro não estar pronto para ouvi-la, o que pode gerar mais conflito, mais
guerra. Seguir a verdade significa ouvir o chamado do seu coração.
Se ainda há desconforto e sofrimento na sua vida, significa
que ainda há uma camada de mentira te envolvendo. Seja corajoso para encarar
suas mentiras. Sem coragem você não será capaz de encarar a verdade. Procure
identificar quando você ainda não pode ser honesto com você mesmo e com a vida;
quando você tem que usar uma máscara e não pode ser autêntico e espontâneo;
quando você tem que fingir que é diferente do que é. Dê uma olhada nas diversas
áreas da sua vida. Você terá algum trabalho, mas é um bom trabalho. Lembre-se
que “a verdade vos libertará”.
Terceira chave: Ação Correta.
Isso não tem nada a ver com moralismo. A ação correta, ou
ação consciente, não se baseia no que está fora, ou seja, não depende da
aprovação do mundo externo. Não é seguir um manual com regras sobre o que está
certo ou errado. É uma ação determinada pela intuição, que é a voz do silêncio.
É ter coragem de ser você mesmo, autêntico e espontâneo. Agir conscientemente
significa colocar o amor em movimento, ou seja, trilhar o Caminho do Coração.
Quarta chave: Não Violência.
A não violência é a ação sem ego. É a atitude não
contaminada pela vingança e pelo ódio. É não dar passagem para a maldade que
provoca sofrimento no outro, não importa em qual nível.
A não violência ou ahimsa, como é conhecida na tradição do
hinduísmo, não é cruzar os braços e ficar esperando que as coisas aconteçam.
Ela, muitas vezes, envolve ação, atitude. Mas, é uma ação que nasce do coração
– é espontânea e sempre vem com sabedoria e compaixão. Não é o ódio ou o medo
se manifestando.
Eu mesmo já questionei o poder de ahimsa. Parece que só deu
certo com Gandhi, na Índia. Mas, não é verdade. Ahimsa é o remédio que esse
planeta precisa. A compaixão é o remédio e ahimsa é compaixão.
Quinta chave: Amor Consciente
Eu uso esta palavra ‘consciente’, porque a palavra amor foi
degenerada. Nós demos a ela tantos outros significados que não têm nada a ver
com a sua essência. Para o senso comum, o amor está ligado ao egoísmo, a uma
satisfação pessoal. Ele é confundido com a paixão, com o sexo e até mesmo com o
ódio. Isso acontece de uma forma inconsciente: a entidade acredita estar amando
porque não tem consciência do que é amor.
Não é possível definir o amor com palavras, mas eu posso
dizer que amar inclui um desejo sincero de que o outro seja feliz. Inclui ver o
potencial adormecido no outro e dar força para ele acordar. É querer ver o
outro feliz sem querer absolutamente nada em troca. Em última instância, amar
conscientemente significa amar desinteressadamente.
Mas, para que possa utilizar essa chave se faz necessário
que você reconheça o seu desamor. Procure identificar em quais situações e com
quem você ainda não pode ser amoroso. Aonde e com quem o seu amor não flui
livremente? Em que situações o seu coração se fecha? Aí há uma pista para você.
Vá atrás dessa pista e você descobrirá muito sobre si mesmo. Essa é uma forma
de trazer paz para esse mundo: aprendendo a ser amigo do seu irmão; amigo do
seu vizinho. Aprender a não julgar os erros do outro. Antes de levantar o seu
dedo para acusar o outro, olhe para si mesmo, e pergunte: “Será que eu não
tenho um defeito igual, ou outros até piores?” “Será que o meu vizinho não tem nada
de bom para eu focar a minha atenção?” Comece a focar no bom que o outro tem.
Essa é sua grande missão.
Sexta chave: Presença.
Estar presente significa estar total na ação. É lembrar-se
de si mesmo a cada instante. Quando você pode experienciar a presença, a sua
energia cresce e você percebe o amor passando por você. Se puder sustentar esse
estado de alerta, você terá a percepção de que tudo é sagrado, e a partir dessa
percepção, poderá expandir sua energia conscientemente na direção do outro.
Eu sugiro uma prática bem simples para o seu dia a dia.
Habitue-se a perguntar: Onde estou? O que estou fazendo? Permita-se parar,
apenas por alguns segundos, absolutamente tudo o que você está fazendo. No meio
da ação, pare e pergunte-se: Quem está fazendo? Assim você interrompe a
imaginação e volta para o seu corpo, para a presença, para a totalidade na
ação. Esse é o caminho.
A presença é a chave mestra. Mas, porque não vamos
diretamente para ela? Porque nem todos estão prontos para usufruir dela. Poucos
estão maduros para abandonar o pensar compulsivo, já que isso lhes dá um senso
de identidade. Então, em muitos casos, é necessário um trabalho de purificação,
que é este trabalho de transformação do “eu inferior”, para que você esteja
pronto para ancorar a presença. Para isso, o corpo é o portal. Sinta-se
ocupando o corpo. Sinta seu campo de energia e mova-se a partir dessa
percepção.
Sétima chave: Serviço Desinteressado.
Servir desinteressadamente significa colocar seus dons e
talentos a serviço do amor. É quando você pode se doar verdadeiramente ao
outro, sem máscaras, sem necessidade de agradar ou fazer o que é certo com a
intenção de ser recompensado. O único objetivo é ver o outro bilhar. Você se
torna o amor que se move em direção à construção.
Acordar pela manhã, consciente de que está acordando para
servir, ilumina a alegria de viver. Naturalmente, a consciência do serviço
aumenta a conexão com o divino, porque, por mais que cada um tenha seus
talentos e dons individuais, ou seja, uma forma particular na qual o amor se
expressa através de você – é o próprio amor que está se expressando. No
serviço, você se torna um canal do amor. Por isso, eu digo que o serviço é uma
forma de manter a chama da conexão acesa. O amor e a felicidade passam por você
para chegar ao outro, não importa o que você esteja fazendo, se está cuidando
do jardim, construindo uma casa, cozinhando, cuidando de uma empresa ou de uma
pessoa.
Oitava chave: Lembrança Constante de Deus.
Lembre-se de que Deus está em tudo: dentro, acima, abaixo,
dos lados – em todos os lugares. Ele é a vida única que age em todos os corpos
e é o seu Eu Real. Essa percepção de que tudo é Um e de que a energia
espiritual se manifesta em todas as formas de vida, promove um profundo
contentamento. Não há palavras para descrever essa experiência, ela só pode ser
vivida. A sua vida se transforma numa prece, numa oferenda a Deus. Pode passar
um tsunami, mas você não se esquece de Deus. Pouco a pouco, a sua fé se torna
constante e inabalável, até que possa sustentar a eterna conexão com Deus.
A partir dessa conexão, você olha para o outro e enxerga
além das aparências, porque você vê somente Deus e assim pode reverenciá-lo.
Este é um sincero namastê: a divindade que está em mim saúda a divindade que
está em ti.
Se verdadeiramente utilizar essas oito chaves na sua vida,
inevitavelmente você irá experienciar a paz. Essa é a minha experiência.
Durante a fase do desenvolvimento da consciência que eu
chamo de “ABC da Espiritualidade” ou purificação do “eu inferior”, muitas vezes,
descobrimos verdades pouco agradáveis sobre nós mesmos. Durante esse processo,
enfrentamos obstáculos que precisam ser removidos. Aos poucos, nós aprendemos a
identificá-los e removê-los e, ao removermos aquilo que não nos serve mais,
podemos nos tornar canais do amor divino, para que ele flua livremente através
de nós.
Nilza Garcia
(Trecho extraído do livro “Transitando do Sofrimento para a
Alegria” de Sri Prem Baba)