Com a voz
serena e o bom humor digno de quem conhece os mistérios da vida e da morte, o
médium Divaldo Pereira Franco, 89 anos, afirma que cada ser humano só alcançará
a felicidade quando conseguir amar sem interesse de reciprocidade. Seria a
"plenitude", nas palavras do baiano de Feira de Santana, discípulo de
Chico Xavier e hoje o mais importante representante do espiritismo no país. Por
onde passa, arrasta multidões: em Porto Alegre e em Novo Hamburgo, cidades em
que palestrará neste fim de semana, as vagas já estão esgotadas há semanas.
Como ser
feliz? Qual a origem do mal? Como lidar com o sofrimento? Essas e outras
questões, bem como a conversa com os mortos, base da crença da doutrina
espírita, foram tratadas em entrevista concedida na sexta-feira em um hotel de
Porto Alegre:
Vivemos um
momento de crise na segurança, com pessoas sendo mortas pela criminalidade. O
que dizer a quem perde um filho, uma mãe ou um pai em uma situação tão
violenta?
É uma dor
para a qual não há consolo. Poderíamos dizer a respeito da esperança, a
esperança na imortalidade, quando então nos encontraremos depois da
indumentária física. Não obstante, somos criaturas humanas, e o sentimento de
amor, nesse momento, é dilacerado. Recordo que a Organização Mundial da Saúde
(OMS) estabeleceu que a violência é uma doença da alma e deve ser tratada na
alma, tanto do ponto de vista espiritual quanto de natureza psíquica. E para
essa violência urbana, que se transformou em uma guerra não declarada, a única
solução é a educação. Todas as religiões afirmam que a alma é imortal e que
voltaremos a nos encontrar. Há variações teológicas, pontos de vista, mas que
não suprimem a unidade básica, a imortalidade da alma.
Qual a
origem do mal? Por que existem tantas pessoas cruéis? Terroristas,
criminosos...
Para nós, a
reencarnação é a oportunidade lapidadora do espírito. O espírito, na sua
essência, é como o diamante bruto, por meio da lapidação ele se torna uma
estrela luminosa. Esses espíritos (maus) primitivos ainda estão psiquicamente
nas fases primárias da tribo, da barbárie, sem a menor noção de
sensibilidade... Do ponto de vista antropológico, nós somos instinto, até
quando surgiu a primeira manifestação do sentimento, que foi o medo. A partir
daí, surgem as demais emoções. Mas isso foi há cem mil anos. Não obstante,
ainda existem pessoas patologicamente perturbadas, que ainda se encontram na
fase de tormento, inquietação, e se comprazem em afligir os outros.
Os espíritas
acreditam que é possível conversar com os mortos. Quando o senhor começou a ver
espíritos?
Comecei a
ver aos quatro anos, eu era um menino especial para a época. Em nossa casa, um
velho casarão de uma cidade do interior, eu brincava com outras crianças. E é
muito comum os nossos filhos dizerem que estão brincando com crianças
invisíveis, muitas vezes se acredita que é um momento lúdico, a imaginação. No
entanto, é uma realidade. Os espíritos aparecem com mais facilidade na
infância, porque ainda não estão completamente reencarnados. Quando compreendi,
aos 12 anos, que eram os imortais, eu procurei apoio da religião que eu
professava. Eu era católico. Meu confessor procurou dizer-me que se tratavam de
interferências demoníacas para me afastar do caminho do bem. Os fatos provaram
o contrário, e eu próprio cheguei à conclusão. Como o bem pode vir para nos
ensinar o mal. Os espíritos só me falavam de coisas boas. Lentamente, fui
despertando, até que, quando estava com 20 anos, me dediquei inteiramente a
esse estudo.
É comum o
senhor ver espíritos onde está? Aqui, por exemplo...
Sim, é uma
espécie de segunda visão. À medida que a gente vai aprimorando, torna-se tão
clara que, muitas vezes, se não somos cuidadosos, confundimos. Elas nos
proporcionam a certeza da sobrevivência. Porque nos aparecem aqueles que nos
são familiares, mas, em sua maioria, aqueles que nos são perturbadores e que se
comprazem em gerar o que chamamos de obsessões, distúrbios psicológicos,
melancolia, especialmente hoje, a depressão, o grande mal do século.
Qual o
caminho da felicidade nesse mundo tão cheio de dores?
Jesus disse:
"Amar". No momento em que conseguimos amar, sem nenhum interesse em
reciprocidade, sem objetivo de receber uma resposta, nós encontraremos a
plenitude.
O senhor é
um homem bem-humorado...
A alegria
faz parte da vida. Uma pessoa triste é um santo triste. A vida é um convite à
beleza. O nosso estado interior é que, muitas vezes, mascara a beleza com a
nossa melancolia.
Como o
senhor é uma pessoa bem-humorada, posso lhe perguntar: dizem que o senhor sabe
quando vai morrer. É verdade?
O Evangelho
diz que nem Jesus sabe... Só Deus. No entanto, temos as nossas características.
Eu tenho 89 anos, então, meu tempo é curto. Procuro aproveitar o máximo.
Confesso que aguardo com tal naturalidade, como, ao me deitar, me vem a ideia
do despertar no dia seguinte.
Fonte:
Jornal Zero Hora
Médium-Divaldo
Franco