— Ora, que importa a nós e a ti,
Jesus de Nazaré, o que este sofre? Vieste a perder-nos? Eu sei que és o enviado
de Deus.
Jesus repreendeu-o, dizendo:
— Cala-te e sai dele.
E tendo-o lançado por terra no meio
de todos, o desencarnado saiu dele sem tê-lo magoado. Todos ficaram admirados,
e perguntaram uns aos outros:
— Que palavra é essa, pois com
autoridade e poder ordena aos Espíritos atrasados e eles saem?
E por todos os lugares da
circunvizinhança divulga-se sua fama. (Lucas, 4:31-37 - tradução direta do
original grego).
Como lhe era de hábito, nos
sábados, Jesus visitava a Sinagoga. Não esclarecem os textos se os discípulos o
acompanhavam; entretanto, a tradição afirma que ele se fazia acompanhar de
alguns de seus seguidores mais chegados, a exemplo de Pedro, André, Tiago e
João. Na Sinagoga era costume convidarem-se os visitantes e assistentes a
falar, o que muito contribuiu para que o Mestre, vez que outra, usasse da
palavra, pregando, àquela gente envolvida pela ortodoxia escriturística, a BOA
NOVA, plena de conceitos e valores realmente revolucionários.
O evangelista Marcos destaca a
admiração dos circunstantes pela autoridade com que Jesus se expressava, não
exatamente como os escribas (os intelectuais da época), que, de ordinário,
levavam, ao cenáculo da Sinagoga, seus comentários devidamente decorados. Os frequentadores do Templo estavam, pois, acostumados a ouvir as arengas dos
escribas, recheadas de sentenças adredemente elaboradas, distanciadas, pois, de
qualquer senso crítico. A palavra de Jesus diferia, em tudo, dessa postura. Ela
era toda feita de interpretações vivas e palpitantes, elaboradas à luz da
maravilhosa análise dos caracteres humanos. Jesus, na realidade, desceu aos
labirintos da alma e de lá exumou as suas mazelas, os seus traumas, os seus
mais recônditos sentimentos, e, debruçado sobre eles, elaborou o mais notável
Código de Ética jamais concebido.
Jesus defrontou-se com o obsessor
no Templo, apenas lhe impõe silêncio e o desliga do obsidiado, pondo em prática
a mais estranha e fantástica técnica de desobsessão jamais, em tempos
posteriores, igualada. O ato de desligamento provoca violenta agitação, e a
perspectiva da separação (já se estabelecera, provavelmente, uma estranha
simbiose entre subjugado e subjugador), causa, no subjugado, forte reação, e
ele grita!
O que aconteceu na Sinagoga, ante
os olhares espantados dos seus frequentadores, que, na verdade, não estavam entendendo nada, ocorre, guardadas as devidas proporções, nos recessos das
casas espíritas que promovem sessões de desobsessão em que obsidiado e obsessor
têm a oportunidade salutar e regeneradora de se enfrentarem, sob a égide de
Espíritos superiores que se seguem, conquanto palidamente, a metodologia
desobsessional do Mestre de Nazaré.
Lucas afirma que o subjugado foi
lançado por terra, como se lhe faltasse o chão. Aliás, essa reação é natural em
semelhante processo de desobsessão, aos moldes, por exemplo, de alguns casos
relatados por Allan Kardec, na Revue Spirite.
É evidente que a fama de Jesus se
espalhou por todos os recantos da Judéia. diziam, as boas e as más línguas, que
Jesus de Nazaré era senhor de forças notáveis, acima do comum dos homens. O
resultado dessa fama inesperada é que muita gente passa a procurar o Mestre,
levando seus enfermos e obsidiados à sua presença. Ele atendia a todos,
indistintamente, com o mesmo empenho e benevolência.
O obsidiado de Gerasa
Mateus (8:28-35), Marcos (5:1-20)
e Lucas (8:26-39) referem-se ao famoso episódio de Gerasa, em que Jesus topou com uma
legião de Espíritos inferiores que subjugavam um pobre coitado da região.
A iniciativa de ação pertence ao
subjugado, que Mateus afirma terem sido dois:
Tendo ele - Jesus - chegado à
outra margem, à terra dos gerasenos, vieram-lhe ao encontro dois obsidiados em
extremo, furiosos.
É provável que tenham sido dois,
embora um deles fosse o célebre louco violento e o outro apenas uma espécie de
comparsa, que não chegou a chamar a atenção dos demais evangelistas.
Marcos apresenta maiores dados do
episódio que ouvira dos lábios de Pedro, testemunha ocular:
— Quando Jesus desembarcou, veio
logo ao seu encontro, dos túmulos, um homem obsidiado por Espírito não
purificado o qual morava nas sepulturas e nem mesmo com cadeias podiam alguém
segurá-lo.
Ao vê-lo vir a si, Jesus ordena,
energicamente, que abandone a sua presa, chamando-o Espírito não-purificado
(pneuma akátharton), ou seja inferior. O obsessor vocifera, blasfema,
irrita-se! Jesus pergunta-lhe o nome, ao que o Espírito responde legião, o que
é o mesmo que falange. Não quer dizer, porém, segundo pretendem alguns
comentaristas, que se tratava, efetivamente, de 300 Espíritos (número de que se
compunha uma legião de soldados romanos), mas apenas, como explica o obsessor
incorporado, porque somos muitos.
Ainda segundo Marcos, o obsessor
pede que não seja mandada a falange para fora do território: e, segundo Lucas,
que não a mande para o abismo!
Por que Jesus não doutrinava os
obsessores?
Jesus, realmente, não se
preocupou em doutrinar essa falange ou legião de obsessores, como, aliás,
nenhum outro Espírito mau que foi por Ele afastado. Ou as entidades espirituais
superiores se encarregavam disso, ou esses obsessores eram ainda tão involuídos
que não adiantava doutrinação e se devia aguardar um pouco mais de evolução
para que pudessem compreender a necessidade de corrigir-se.
Os obsessores de Gerasa estavam
justamente nessa situação, e não poderiam entender qualquer tipo de providência
desobsessional, senão aquela posta em prática pelo Mestre de Nazaré.
Após o acontecimento, os
moradores de Gerasa correram até o local do histórico episódio e viram, sentado
aos pés de Jesus, o ex-obsidiado, risonho, feliz, em seu juízo perfeito, ele
que, antes, tanto pânico vivia a causar na região e que por todos era bem
conhecido.
No momento em que Jesus se prepara
para partir daquele lugar, o ex-obsidiado solicita-lhe lugar entre os
discípulos. Sem dar os motivos, o Mestre recusa mantê-lo a seu lado, mas nem
por isso deixa de lhe confiar tarefa de significativa responsabilidade: a
pregação, sobretudo pelo exemplo! Humildemente, o ex-obsidiado aceita a tarefa.
Sabe-se, mais tarde, que ele passou a percorrer a região da Decápole falando
dos maravilhosos poderes de Jesus.
Carlos Bernardo Loureiro
(Jornal Verdade e Luz Nº 193
Fevereiro de 2002)