Não é mais ficção. Mais cedo ou mais tarde, queiramos ou
não, a ciência clonará seres humanos. Mesmo com a proibição dos governos, podem
ser encontradas brechas que permitam a operação. A polêmica é como lidar com
essa questão sem cair nos radicalismos éticos ou religiosos.
À parte toda a discussão que existe em torno de clonar ou
não seres humanos, sob o ponto de vista técnico, a ciência lida com fatos e,
com relação aos fatos, temos as seguintes questões:
A clonagem existe e cria seres funcionais que podem se
reproduzir normalmente (já comprovado, várias vezes);
A clonagem humana é pura questão de tempo, técnica e sorte;
Não existe ética, lei ou poder jurídico que possa impedir as
tentativas que surgirão nesse sentido.
Já no mundo da religiosidade e da espiritualidade lidamos
com crenças, e esses aspectos não são baseados nos fatos, mas possuem uma
natureza temporal, servindo como uma ponte entre o Homem e o entendimento da
realidade que o cerca, especialmente os aspectos da realidade que não são
imediatamente apreendidos pela ciência. Ao longo da História, várias correntes
de pensadores religiosos chegaram a algumas conclusões comuns com relação à
alma e a vida, conclusões que, embora sejam aceitas por várias correntes, não se
constituem em verdades estabelecidas e incontestáveis.
Numa visão sucinta do espiritualismo temos que:
Todo corpo vivo, principalmente o Homem, possui uma alma
imortal;
Esse ser vivo precisa de todo o amparo necessário para se
desenvolver plenamente, não importando sua origem, cor ou religião;
Toda vida é valiosa.
Não importa questionarmos profundamente se é preciso impedir
ou não a clonagem, uma vez que ela, sem dúvida, ocorrerá. O que devemos ter em
mente é uma visão clara sobre esse assunto, principalmente no que diz respeito
a como tratar os seres que surgirão (ou nascerão) desses experimentos, suas
conseqüências religiosas (já se fala em clonar Jesus ), e o mais importante: como impedir
que se desenvolva em nosso meio mais um tipo de preconceito, acrescendo-se aos
inúmeros já existentes e que obstruem grande parte de nosso desenvolvimento –
sejam os preconceitos dos clones para com o resto da sociedade, ou o inverso,
pois está claro que esse é um tipo de experiência cara e que, portanto, não
deverá estar acessível à grande maioria da sociedade.
O papel da espiritualidade em meio a todas essas opções é o
de mostrar um caminho diferente para o Homem, um caminho que deve passar por
uma revisão dos fundamentos de nossa vida diária e espiritual, pois a espiritualidade
que está sendo exigida agora, e nascendo a cada instante, é pragmática e
dinâmica ao mesmo tempo.
Da mesma forma que as maiores religiões e os mais
importantes profetas do globo se empenharam em mostrar que o caminho para a
felicidade e bem-aventurança passava pelo respeito e amor ao próximo, devemos,
o quanto antes, ampliar esse conceito de forma a abarcar o frígido mundo da
ciência nesse exercício de compaixão.
Essa postura é necessária porque, ao lidarmos com fatos,
devemos adaptar nossas visões e buscar saídas para evitar problemas futuros;
para isso é que desenvolvemos a consciência e a inteligência. Há muito se sabia
que existia a chance de um dia podermos realizar a clonagem, ponto que
atingimos hoje, mas todas as discussões buscavam o caminho da proibição e não
da compreensão, de modo que foram atropeladas pelo trem da história.
Devemos nos antecipar e visualizar as portas que a ciência
ainda têm por abrir, e não imaginá-las como impossíveis. Afinal, a ciência é
pródiga em produzir coisas ditas impossíveis (aviões, penicilina, lâmpadas,
computadores portáteis etc.).
Uma Visão Renovada
Em termos científicos, a clonagem poderá trazer inúmeros
benefícios, ainda que sejam questionados quanto à sua validade. Não podemos
deixar de citar, por exemplo, a criação de órgãos artificiais, pois o clone
pode ter seu desenvolvimento interrompido antes que se torne um embrião. Nesse
ponto ele possui um conjunto de células conhecidas como células-tronco, que
podem se transformar em qualquer órgão que seja necessário. Alega-se que, com
isso, as pessoas que precisam de um transplante seriam beneficiadas.
Sob esse ponto de vista podemos dizer que a ciência é
louvável, e busca aliviar o sofrimento de quem está numa fila de transplante.
Mas, se já difícil conseguir custear o transplante tradicional, o que dizer de
um tipo de ciência médica que exige algo em torno de milhões de dólares por
paciente para gerar algum tipo de resultado?
Na verdade, a questão está em enxergar a ciência médica como
uma força intelectual que produzirá uma série de resultados que, no futuro,
podem vir a beneficiar o ser humano, independente da fé ou ética humanas. No
entanto, a questão real e atual não é essa, mas: como deveremos tratar os
clones humanos, sendo eles pessoas com os mesmos potenciais e chances que uma
pessoa gerada pelas vias normais?
Qualquer um que tenha o mínimo de sensibilidade pode
argumentar que essa postura é óbvia, mas a vida prática não nos mostra isso: o
que vemos é a intolerância e o medo do desconhecido nos olhos de todos.
Contudo, se existe algo como uma "visão espiritual", ela deve ir além
das salas de estudo e dos grupos de discussão, e estar presente nesse momento
crucial da humanidade.
Estamos falando de renovar a visão da ciência e do ser
humano, colocando o espírito, e não o corpo, como referencial dessas
discussões. Esse é um passo natural a ser dado, pois “colocar a vida" em
um corpo não é obra de uma injeção ou de uma química específica, mas sim um dos
grandes mistérios do universo. E imaginar que a vida é uma tarefa que está nas
mãos de Deus é ser tendencioso demais, partindo-se de uma visão ecumênica, e
isso nos tira a responsabilidade que temos para com todo os seres vivos.
Além do que, mesmo que venhamos a ter clones de grandes
mestres e cientistas, não se pode afirmar que eles serão cópias exatas de seus
originais, uma vez que lhes faltará o contexto sociocultural em que os
originais nasceram e cresceram. Por exemplo, Einstein nasceu em meio à
efervescência cultural do final do século XIX e início do séc. XX, e da
conturbada 2ª guerra mundial, ambiente que jamais se repetirá. Sem contar que a
alma que habitará esse corpo será a de um outro ser que não o original, para
não falar de outras influências astrais que podem surgir na hora do nascimento.
Sendo assim, a visão que modificará o quadro da clonagem não
passa pelo questionamento dos aspectos técnicos, e tampouco éticos ou
teológicos. Trata-se, sim, de rever as nossas posições num mundo em profunda
transformação, e permitir que daí nasça um novo ser humano, não importando de
que lado do tubo de ensaio ele se desenvolva. O importante é que todos tenham a
paixão e o respeito pela vida como sua força maior.
Alex Alprim
Fonte: Revista Espiritismo e Ciência
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