Lembra-se o
Espírito da sua existência corporal?
"Lembra-se,
isto é, tendo vivido muitas vezes na Terra, recorda-se do que foi como homem e
eu te afirmo que frequentemente ri, penalizado de si mesmo."
Tal qual o
homem, que chegou à madureza e que ri das suas loucuras de moço, ou das suas
puerilidades na meninice.
A lembrança
da existência corporal se apresenta ao Espírito, completa e inopinadamente,
após a morte?
"Não;
vem-lhe pouco a pouco, qual imagem que surge gradualmente de uma névoa, à
medida que nela fixa ele a sua atenção."
O Espírito
se lembra, pormenorizadamente, de todos os acontecimentos de sua vida? Apreende
o conjunto deles de um golpe de vista retrospectivo?
"Lembra-se
das coisas, de conformidade com as consequências que deles resultaram para o
estado em que se encontra como Espírito errante. Bem compreende, portanto, que
muitas circunstâncias haverá de sua vida a que não ligará importância alguma e
das quais nem sequer procurará recordar-se."
- Mas, se o
quisesse, poderia lembrar-se delas?
"Pode
lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e incidentes, assim relativos aos
fatos, como até aos seus pensamentos. Não o faz, porém, desde que não tenha
utilidade."
- Entrevê o
Espírito o objetivo da vida terrestre com relação à vida futura?
"Certo
que o vê e compreende muito melhor do que em vida do seu corpo.
Compreende a
necessidade da sua purificação para chegar ao infinito e percebe que em cada
existência deixa algumas impurezas."
Como é que
ao Espírito se lhe desenha na memória a sua vida passada? Será por esforço da
própria imaginação, ou como um quadro que se lhe apresenta à vista?
"De uma
e outra formas. São-lhe como que presentes todos os atos de que tenha interesse
em lembrar-se. Os outros lhe permanecem mais ou menos vagos na mente, ou
esquecidos de todo. Quanto mais desmaterializado estiver, tanto menos
importância dará às coisas materiais. Essa a razão por que, muitas vezes,
evocas um Espírito que acabou de deixar a Terra e verificas que não se lembra dos
nomes das pessoas que lhe eram caras, nem de uma porção de coisas que te
parecem importantes. É que tudo isso, pouco lhe importando, logo caiu em
esquecimento. Ele só se recorda perfeitamente bem dos fatos principais que
concorrem para a sua melhoria."
O Espírito
se recorda de todas as existências que precederam a que acaba de ter?
"Todo o
seu passado se lhe desdobra à vista, quais a um viajor os trechos do caminho
que percorreu. Mas, como já dissemos, não se recorda de modo absoluto de todos
os seus atos. Lembra-se destes conforme mente à influência que tiveram na
criação do seu estado atual. Quanto às primeiras existências, as que se podem
considerar como a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem
na noite do esquecimento."
Como considera
o Espírito o corpo de que vem de separar-se?
"Como
veste imprestável, que o embaraçava, sentindo-se feliz por estar livre
dela."
- Que
sensação lhe causa o espetáculo do seu corpo em decomposição?
"Quase
sempre se conserva indiferente a isso, como a uma coisa que em nada o
interessa."
Ao cabo de
algum tempo, reconhecerá o Espírito os ossos ou outros objetos que lhe tenham
pertencido?
"Algumas
vezes, dependendo do ponto de vista, mais ou menos elevado, donde considere as
coisas terrenas."
A veneração
que se tenha pelos objetos materiais que pertenceram ao Espírito lhe dá prazer
e atrai a sua atenção para esses objetos?
"É
sempre grato ao Espírito que se lembrem dele e os objetos que lhe pertenceram
trazem-no à memória dos que ele no mundo deixou. Mas, o que o atrai é o
pensamento destas pessoas e não aqueles objetos."
E a
lembrança dos sofrimentos por que passaram na última existência corporal, os
Espíritos a conservam?
"Frequentemente
assim acontece e essa lembrança lhes faz compreender melhor o valor da felicidade
de que podem gozar como Espíritos."
O homem, que
neste mundo foi feliz, deplora a felicidade que perdeu, deixando a Terra?
"Só os
Espíritos inferiores podem sentir saudades de gozos condizentes com uma
natureza impura qual a deles, gozos que lhes acarretam a expiação pelo
sofrimento. Para os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes
preferível aos prazeres efêmeros da Terra."
Exatamente
como sucede ao homem que, na idade da madureza, nenhuma importância liga ao que
tanto o deliciava na infância.
Aquele que
deu começo a trabalhos de vulto com um fim útil e que os vê interrompidos pela
morte, lamenta, no outro mundo, tê-los deixado por acabar?
"Não,
porque vê que outros estão destinados a concluí-los. Trata, ao contrário, de
influenciar outros Espíritos humanos, para que os ultimem. Seu objetivo, na
Terra, era o bem da humanidade; o mesmo objetivo continua a ter no mundo dos
Espíritos."
E o que
deixou trabalhos de arte ou de literatura, conserva pelas suas obras o amor que
lhes tinha quando vivo?
"De
acordo com a sua elevação, aprecia-as de outro ponto de vista e não é raro
condene o que maior admiração lhe causava."
No além, o
Espírito se interessa pelos trabalhos que se executam na Terra, pelo progresso
das artes e das ciências?
"Conforme
à sua elevação ou à missão que possa ter que desempenhar. Muitas vezes, o que
vos parece magnífico bem pouco é para certos Espíritos, que, então, o admiram,
como o sábio admira a obra de um estudante. Atentam apenas no que prove a
elevação dos encarnados e seus progressos."
Após a
morte, conservam os Espíritos o amor da pátria?
"O
princípio é sempre o mesmo. Para os Espíritos elevados, a pátria é o Universo.
Na Terra, a pátria, para eles, está onde se ache o maior número das pessoas que
lhes são simpáticas."
As condições
dos Espíritos e as maneiras por que veem as coisas variam ao infinito, de
conformidade com os graus de desenvolvimento moral e intelectual em que se
achem. Geralmente, os Espíritos de ordem elevada só por breve tempo se
aproximam da Terra. Tudo o que aí se faz é tão mesquinho em comparação com as
grandezas do infinito, tão pueris são, aos olhos deles, as coisas a que os
homens mais importância ligam, que quase nenhum atrativo lhes oferece o nosso
mundo, a menos que para aí os ocupa o propósito de concorrerem para o progresso
da humanidade. Os Espírito de ordem intermédia são os que mais frequentemente
baixam a este planeta, se bem considerem as coisas de um ponto de vista mais
alto do que quanto encarnados. Os Espíritos vulgares, esses são os que aí mais
se comprazem e constituem a massa da população invisível do globo terráqueo.
Conservam quase que as mesmas ideias, os mesmos gostos e as mesmas inclinações
que tinham quando revestidos do invólucro corpóreo. Metem-se em nossas
reuniões, negócios, divertimentos, nos quais tomam parte mais ou menos ativa,
segundo seus caracteres. Não podendo satisfazer as suas paixões, gozam na
companhia dos que a elas se entregam e os excitam a cultivá-las. Entre eles, no
entanto, muitos há, sérios, que veem e observam para se instruírem e
aperfeiçoarem.
As ideias
dos Espíritos se modificam quando na erraticidade?
"Muito;
sofrem grandes modificações, à proporção que o Espírito se desmaterializa. Pode
este, algumas vezes, permanecer longo tempo imbuído das ideias que tinha na
Terra; mas, pouco a pouco, a influência da matéria diminui e ele vê as coisas
com maior clareza. É então que procura os meios de se tornar melhor."
Já tendo o
Espírito vivido a vida espírita antes da sua encarnação, como se explica o seu
espanto ao reingressar no mundo dos Espíritos?
"Isso
só se dá no primeiro momento e é efeito da perturbação que se segue ao
despertar do Espírito. Mais tarde, ele se vai inteirando da sua condição, à
medida que lhe volta a lembrança do passado e que a impressão da vida terrena
se lhe apaga."
Autor
Allan Kardec