1 – O que dizer da manifestação de
pretos velhos no Centro Espírita, com seu linguajar peculiar? Não devem ser
estimulados a mudar a postura, instruindo-se?
Parece-me que a evolução não tem nada
a ver com a expressão física ou linguística. Espíritos que se manifestam como
pretos velhos podem ser muito evoluídos, tanto quanto branquelos podem ser
atrasados
2 –
O problema é quando Espíritos apresentam-se como orientadores. Fica
complicado aceitar que um mentor não tenha aprendido a falar
Kardec orienta que devemos considerar
o conteúdo, não a forma. Respeitando a opção do Espírito, tudo o que nos
compete avaliar é se sua mensagem guarda compatibilidade com os princípios
espíritas.
3 –
Não devemos, portanto, opor resistência à manifestação de pretos velhos,
índios, caboclos?
Não vejo motivo para cultivar
preconceitos, mesmo porque, não raro, Espíritos dessa condição, menos
esclarecidos e ainda vinculados às tradições da raça, manifestam-se para serem
ajudados, não para receberem lições de português.
4 –
E se estivermos diante de um condicionamento mediúnico, médiuns falando
como pretos velhos por imitação?
É um problema que compete ao
dirigente resolver, avaliando se está diante de manifestação autêntica ou de
mero condicionamento a partir da influência de outros médiuns. Não costuma
acontecer com médiuns que se preparam adequadamente em cursos específicos sobre
mediunidade.
5 – Diante de uma manifestação
autêntica, se o preto velho é um Espírito evoluído, não será razoável que se
manifeste com linguagem escorreita, sem maneirismos?
Penso que não devemos impor condições
ao manifestante. Os Espíritos desencarnados, quando evoluídos, podem adotar a
forma e o linguajar que lhes aprouver. É uma opção e um direito.
6 – Por que o fazem?
Pretos velhos revivem, nas
manifestações, o tempo em que estiveram em regime de escravidão, que lhes foi
muito útil, ajudando-os a superar o orgulho que marca o comportamento humano. É
uma homenagem que prestam à raça negra e um exercício de humildade.
7 – Quanto à morfologia
perispiritual, tudo bem. Quanto à palavra, não seria interessante usar uma
linguagem atual, não africanizada?
Pode acontecer, mas aí vai depender
do próprio grupo e de uma adequação dos médiuns. O Centro Espírita Amor e
Caridade, em Bauru, foi orientado desde sua fundação, em 1919, por uma corrente
africana. Seus representantes, em dado momento, observando a evolução do grupo,
na década de 40, disseram: Pretalhada vai vestir casaca. Anunciavam por esta
metáfora que a partir daquele momento eliminariam as expressões africanizadas,
o que de fato ocorreu.
8 – Devemos, então, admitir que esses
Espíritos façam uma adequação do linguajar, de conformidade com as tendências
ou necessidades do grupo?
Exatamente. Um confrade, médium
vidente, visitou certa feita um grande terreiro de Umbanda, em Vitória,
Espírito Santo. Viu algo que o perturbou: o Espírito Frederico Figner, que foi
dedicado diretor da Federação Espírita Brasileira, manifestar-se como um preto
velho. Julgou estar tendo uma alucinação e logo esqueceu. Algum tempo depois,
em visita a Uberaba, ouviu alguém perguntar a Chico Xavier por onde andaria
Frederico Figner. E o médium: Anda dando assistência a um terreiro de umbanda
em Vitória, no Espírito Santo.
CEAC | Richard Simonetti
“O DIA EM QUE UM PRETO VELHO FOI
EXPULSO DO CENTRO ESPÍRITA
Essa é uma história verdadeira. Ela
de fato aconteceu em um centro espírita de uma pequena cidade do estado de
Minas Gerais, há algum tempo atrás.
Conta-se que os médiuns estavam
realizando seus trabalhos de esclarecimento e doutrinação num centro espírita
do estado de Minas Gerais. Subitamente um preto velho incorporou numa médium e
começou a falar. No momento em que os trabalhadores perceberam que o espírito
incorporado era um preto velho, mandaram suspender a incorporação. Nesse centro
não eram aceitos pretos velhos, pois os dirigentes consideravam que os pretos
velhos são espíritos não muito evoluídos. Por isso, ele não poderia ser
admitido a orientar uma atividade de doutrinação. O espírito foi então
convidado a se retirar do centro. O preto velho fez o que eles pediram e foi
embora.
Logo depois, a médium incorporou um
espírito de um filósofo, um doutor de nome difícil, provavelmente europeu, que
foi muito bem recebido por todos os presentes. O filósofo deu instruções aos
membros do centro, fez os trabalhos de doutrinação e todos ficaram felizes e
maravilhados com a intervenção desse espírito, que consideraram um espírito
muito elevado.
Os dirigentes então resolveram que já
era hora de encerrar os trabalhos. No entanto, a médium novamente começou a
incorporar um espírito. Todos olharam com interesse aquela manifestação
mediúnica espontânea. Um dos trabalhadores disse que as atividades do dia já estavam
terminando e perguntou quem estava ali. O espírito respondeu que era de novo o
preto velho. O dirigente fez cara de tédio e perguntou o que ele ainda queria
ali nos trabalhos do centro. O preto velho então disse:
– Zifio… Ce suncê mi permiti, só quiria
que ocês sobessem qui o dotô que apareceu agora há poquinho era este preto
velho aqui, que agora proseia com vosmicês.
Todos ficaram espantados com a
revelação… O preto velho então começou a não mais falar como um preto velho:
– É engraçado isso, meus irmãos, pois
quando eu apareci como preto velho, fui praticamente expulso dos trabalhos de
vocês. Mas depois quando eu apareci no formato de um doutor, um filósofo
europeu prestigiado, que tem conhecimento acadêmico, com toda a pompa e com ar
de autoridade, todos me trataram muito bem, ouviram meus conselhos e ficaram
felizes e maravilhados com a aparição. Por que isso, meus filhos? Devo
alerta-los para esse comportamento de vocês. Prestem muita atenção nisso, meus
irmãos…
No plano espiritual, assim como em
toda a realidade universal, não existem aparências. As aparências existem
apenas aqui na Terra. Deus, em sua sabedoria infinita, oculta aos vossos olhos
as verdades do espírito camufladas pelas aparências do mundo… para que vocês
aprendam a vê-las com os olhos do coração, com a visão da alma e possam
enxergar a verdade como ela é. No plano espiritual, meus irmãos, não existem
doutores, não existem classes sociais, não existem nacionalidades, não existem
religiões, não existem raças, não existem essas divisões humanas que vocês
criaram em toda parte para poderem se sentir melhores uns que os outros. No
plano espiritual o que vale é o que você é lá no fundo, e não o que você tem.
Não, meus irmãos… todas essas
divisões são ilusórias. No plano espiritual o que vale é o amor, a verdade, a
paz, a harmonia interior. No plano espiritual ninguém é julgado por ser rico ou
pobre, branco ou negro, doutor ou uma pessoa simples. Lembram-se do que disse o
nazareno sobre isso meus irmãos? O mestre disse: “Deus revela aos simples de
coração aquilo que esconde dos doutos”.
Quando cada um de vocês chegar ao
plano espiritual, meus filhos, os anjos de Deus não vão perguntar quantos
títulos de doutor vocês conquistaram, quantos bens vocês acumularam, quanto
sucesso vocês fizeram, quantos altos cargos vocês subiram na empresa ou quanto
de boa fama vocês projetaram. Não meus queridos filhos… os anjos vão perguntar
quanta luz você espalhou pela Terra; quanto você tocou o coração dos outros com
justiça e benevolência e o quanto a sua obra foi pautada no amor e na paz… ou
se sua passagem na Terra foi apenas um capricho do ego, voltada apenas para seu
mundinho egoísta e para os prazeres da matéria.
Vamos tomar cuidado, meus queridos
filhos, com o veneno da hipocrisia e do preconceito. Não permitam que as
aparências do mundo roubem a sua essência. O importante, meus filhos, é o que
cada um traz em sua alma, em seu espírito. O que importa de verdade é ser
simples e verdadeiro… ser honesto e ter caráter, ser caridoso e ter o amor de Deus
no coração. Não se deixem levar pelas aparências, todas elas estão erradas e
vemos isso muito claramente quando chegamos ao plano espiritual. Lá, meus
filhos, não existem discriminações, todos trabalham por Deus e Deus é a
essência regente tudo. É isso que vocês devem buscar a partir de agora, meus
queridos filhos.
O preto velho despediu-se de todos e
então deixou a sala de atendimento do centro espírita. Os trabalhadores ficaram
envergonhados com seu próprio comportamento, mas adquiriram uma pérola de sabedoria
que nunca mais, em toda a sua vida, seria esquecida.
(Hugo Lapa)