Quem se
defronta com os textos bíblicos sem os subsídios proporcionados pela Doutrina
Espírita, fica confuso, em muitas situações, como, por exemplo, no entendimento
da identidade do chamado “Espírito Santo”. Em verdade, o Mestre Jesus, sabendo
que suas instruções seriam falseadas, esquecidas e mal compreendidas, prometeu
enviar, e assim o fez, o Consolador, a excelsa Doutrina Espírita que faz
lembrar os seus sublimes ensinamentos. Ao mesmo tempo, revelou que todos os
esclarecimentos seriam ofertados (“vos ensinará todas as coisas”), deixando
evidente à posteridade que não pode dizer tudo devido ao intenso atraso
evolutivo das criaturas daquela época (João XIV: 15-26).
Infelizmente,
as traduções das letras do Evangelho não foram fiéis aos textos antigos, em
grego, desde que é importante mencionar que o professor de Grego e Latim Carlos
Torres Pastorino, na obra Sabedoria do Evangelho, ensina que, no idioma grego,
a expressão “tò pneuma tò hágion” quer dizer “o Espírito, o Santo”, enquanto
que “pneuma hágion”, sem o artigo definido “tò”, se refere a “um espírito
santo”. O artigo indefinido não existe na língua grega.
Quando não
há artigo definido, deve-se ler, em português, com artigo indefinido.
Consequentemente, nesse caso, o certo é dizer “um Espírito Santo” e não “o
Espírito Santo”. Em verdade, “um santo Espírito” está se referindo a um
espírito superior, um bom espírito, tanto encarnado como desencarnado. Quando
as letras bíblicas trazem, no grego, a expressão “tò pneuma tò hágion”, está
havendo referência à presença de Deus em cada um de nós e em tudo, a centelha,
o “Reino de Deus” ou emanação divina que nos possibilita a vida imortal.
Quase na sua
totalidade, os escritos em grego do Evangelho que não apresentavam o artigo
definido foram traduzidos erroneamente, sendo colocados os mesmos
indevidamente. Em alguns casos, nem mesmo a expressão “pneuma hágion” estava
presente e foi inserida equivocadamente, até mesmo acrescentando, além disso, o
artigo definido, como no seguinte texto grifado: “Se me amais, guardai os meus
mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro consolador, para que
fique eternamente convosco, o Espírito da Verdade, a quem o mundo não pode
receber, porque não o vê, nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele
ficará convosco e estará em vós. – Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a
quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos fará
lembrar de tudo o que vos tenho dito. (João, XIV: 15 a 17 e 26). Trata-se,
portanto, de uma glosa marginal, também verificada nos versículos 7 e 8 do
capítulo 5 da 1ª Epístola de João, com o propósito de tornar escriturística a
asserção dogmática da chamada Santíssima Trindade.
Quanto a ser
o “Espírito Santo” o próprio “Espírito da Verdade” ou o “Consolador”, deve-se
ressaltar que o erudito professor Pastorino nega terminantemente essa
possibilidade, alicerçada no Evangelho de João 14:26, relatando que a expressão
grega “tò pneuma tò hágion” (“o Espírito Santo”) aparece apenas uma vez no
Evangelho de João e, segundo ele, “assim mesmo, em apenas alguns códices
tardios, havendo forte suspeição de haver sido acrescentada posteriormente”
(Sabedoria do Evangelho, 5º vol., Pregar sem Medo). A identidade entre o
Espírito Santo e o Espírito da Verdade ou o Consolador é, portanto, segundo
Pastorino, uma farsa, relatando que no texto de João não há a expressão
“Espírito Santo” nem, menos ainda, as palavras “um espírito santo”.
O que se
verificou, em Pentecostes, foi um fenômeno mediúnico de grande porte:
Já no episódio
a respeito do dia de Pentecostes, a presença do “Consolador”, igualmente, não
se verificou, porquanto a expressão grega “tò pneuma tò hágion” (“o Espírito
Santo”) não é achada nos textos gregos de “Atos dos Apóstolos”, enquanto que
“pneuma hágion”, sem artigo definido, correspondendo a “um santo Espírito”, é
encontrado. Logo, os apóstolos não ficaram, conforme está escrito: “cheios do
Espírito Santo”, porquanto o certo é “cheios de um santo espírito”,
caracterizando, deste modo, um fenômeno mediúnico de grande porte, assinalando
a presença marcante de Jesus em espírito e a pujante faculdade paranormal
verificada em seus discípulos, proporcionando o marcante intercâmbio com o
além, inclusive se verificando a xenoglossia ou mediunidade poliglota, expressando
os discípulos por meio de idiomas que não conheciam e pelo fato de os
estrangeiros presentes em Jerusalém entenderem em seu próprio idioma o que
estes diziam: "porque cada um os ouvia falar na sua própria língua"
(Atos dos Apóstolos II: 6).
O Consolador
Prometido veio, portanto, para que o entendimento das coisas espirituais não
ficasse estagnado no tempo e no espaço, aprisionado nas teias retocadas das
letras bíblicas (“a letra que mata”). Portanto, um dos princípios básicos do
Espiritismo, a mediunidade, surge cristalina, ressurgindo das cinzas do
dogmatismo. Em Éfeso, Paulo desenvolveu o intercâmbio mediúnico dos discípulos
que já tinham sido batizados por João Batista: “Impondo-lhes as mãos, veio
sobre eles um santo Espírito” (espíritos superiores). O texto é assaz
esclarecedor: “e tanto falavam em línguas (fenômeno conhecido como xenoglossia)
como profetizavam” (Atos 19:1-7). Houve a incorporação de entidades espirituais
que, em transe mediúnico, discorriam em determinado idioma estrangeiro, em língua
estranha ao conhecimento daqueles homens. Assim, igualmente, aconteceu no dia
de Pentecostes, com todos os discípulos do Cristo.
O que é “o
Espírito Santo”?
Segundo o
saudoso escritor Herculano Pires, “O Espírito a que a Bíblia se refere em
numerosos tópicos e que nos Evangelhos toma o nome de Espírito Santo é o
Espírito de Deus em sua manifestação universal” (Livro Agonia das Religiões,
cap. VII). A entidade espiritual Emmanuel relata que o Espírito Santo é “a
centelha do espírito divino, que se encontra no âmago de todas as criaturas” (O
Consolador, questão 303). Portanto, cada criatura alberga a Luz de Deus, “O
Reino de Deus”, dentro de si mesmo (Divindade Imanente). Em verdade, o Espírito
Santo é a presença de Deus em cada um de nós e em tudo. O espírito, no momento
de sua formação cósmica, é contemplado com potencialidades cedidas pelo
Criador, as quais deverão ser exteriorizadas durante o seu percurso evolutivo.
Jesus,
Interrogado pelos fariseus, quando viria o reino de Deus, respondeu-lhes e
disse: "Não vem o reino de Deus de modo ostensível, nem dirão: ei-lo aqui
ou ali; eis porque: o reino de Deus está dentro de vós" (Lucas 17:20-21).
Manifestação
do Espírito Santo pela intuição
Um exemplo
bem significativo da presença do Pai dentro de nós é observado quando no
indivíduo, apresentando avanço na evolução, aflora uma faculdade intuitiva bem
relevante. No Evangelho de Mateus está descrito um diálogo assaz esclarecedor,
travado entre o Mestre e os apóstolos. Jesus pergunta: “Quem diz o povo ser o
filho do homem? Responderam eles: Uns dizem que é João, o Batista; outros,
Elias; outros, Jeremias, ou algum dos profetas. Mas vós, perguntou-lhes Jesus,
quem dizeis que eu sou? Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não
foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus (Cap. XVI:
13-17).
Naquele
momento, em Pedro, manifestava-se a intuição. O “Eu Interior” ou “Eu Superior”
ou “Reino de Deus” ou “Centelha Divina em Nós” exteriorizava-se, testemunhando
a realidade da presença do “Ungido”, o Messias prometido no seio terreno.
O livro de
Lucas cita um episódio ocorrido no interior do Templo de Jerusalem, no qual um
homem portador de mediunidade – “Um santo espírito estava com ele” –, foi
levado por seu guia espiritual – “movido pelo espírito” –, ao encontro com o
menino Jesus e seus pais.
Importante
destacar a tradução de Pastorino do grego, assim transcrito: “Havia em
Jerusalém um homem chamado Simeão, homem esse justo e piedoso, que esperava a
consolação de Israel, e estava sobre ele um espírito santo, pelo qual espírito
santo lhe fora revelado que não morreria antes de ver o Cristo do Senhor. E com
o espírito foi ao templo; e quando os pais trouxeram o menino Jesus, para fazer
por este o que a lei ordenava”. Portanto, nos textos antigos em grego, não há o
artigo definido “tò” e as traduções, relatando a presença de “O Espírito
Santo”, estão equivocadas. O certo é “um espírito santo”, isto é, um ser
espiritual superior, acompanhando Simeão.
Ao tomar o
menino nos seus braços, Simeão atinge os píncaros da intuição, deixando
exteriorizar, naquele momento o “Cristo Interno” ou o “Eu Divino” ou o
“Espírito Santo dentro de si”, louvando a Deus, em um cântico, dizendo que já
poderia morrer em paz, porquanto seus olhos “contemplaram a salvação de todos
os povos, luz para revelação dos gentios e glória de Israel!”
Voltando-se
para Maria, diz “este menino está destinado para queda e levantamento de muitos
em Israel e para ser alvo de contradição”. Acrescenta, a seguir, que “uma
espada de dor transpassará o coração da mãe de Jesus”. Simeão, em profundo
êxtase, expande sua consciência, rompendo as fronteiras do tempo e do espaço,
deixando exteriorizar o Espírito de Deus dentro de si (Lucas II: 25-35).
Paulo de
Tarso, o grande Apóstolo dos Gentios, na Primeira Epístola aos Coríntios,
arremata: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo,
que habita em vós, o qual tendes da parte de Deus e que não sois de vós mesmos?”
(1-Co. VI: 19).
O Consolador
veio para os homens não ficarem mais órfãos, abrindo o horizonte da libertação
humana, através do conhecimento da verdade que liberta, retirando as apertadas
algemas da ignorância espiritual. “A Doutrina do Cristo não é mais prisioneira
das Escrituras, mas ressonância das vozes do céu” (O Evangelho Segundo o
Espiritismo, introdução, item I). O próprio Mestre disse que voltaria na glória
de seu Pai, acompanhado de seus anjos (espíritos superiores) para restabelecer
todas as coisas. Ora, diz Kardec que “só se restabelece o que foi desfeito”.
Certamente, já começamos a vislumbrar o tempo no qual “Deus porá sua lei no
interior dos homens, a escreverá em seus corações e todos o conhecerão, desde o
menor até o maior” (Jeremias 31:33).
Fonte:
Américo Domingos Nunes Filho
Correio
Espírita