Por um lado,
aliviar a dor e o sofrimento de doentes e familiares. Por outro, resgatar a
biografia de pacientes. Esse é o exercício diário de Ana Claudia Quintana
Arantes, médica formada pela FMUSP e especialista em Cuidados Paliativos pelo
Instituto Pallium e Universidade de Oxford, além de pós graduada em
Intervenções em Luto. Foi a responsável pela implantação das políticas
assistenciais de Avaliação da Dor e de Cuidados Paliativos do Hospital
Israelita Albert Einstein e é sócia fundadora da Associação Casa do Cuidar.
Atualmente trabalha em consultório e como médica assistente do Hospital da
Clinicas da FMUSP, na Unidade Jaçanã.
“Desejar ver
a vida de outra forma, seguir outro caminho, pois a vida é breve e precisa de
valor, sentido e significado. E a morte é um excelente motivo para buscar um
novo olhar para a vida.”
“Eu cuido de
pessoas que morrem!”.
É sobre
vivências como essa, e sobre sua densa, profunda e sensível experiência de
médica de cuidados paliativos das pessoas que estão morrendo, que Ana Claudia
escreve e nos fala. Com muita franqueza, riqueza de detalhes e emoção. A
começar pela explicação do significado de cuidados paliativos e de sua
importância diante do destino que é, afinal, o de todos nós: a morte. Embora
não gostemos do assunto, vamos todos morrer e quanto mais nos prepararmos para
a ideia, melhor partiremos. É esse o grande aprendizado do livro: como ajudar
alguém (e a nós mesmos em algum momento) a morrer.
“A pessoa
que morre não leva consigo a história de vida que compartilhou com aqueles que
conviveram com ela, e para quem se tornou importante ao longo de sua vida.”
“A dor do
luto é proporcional à intensidade do amor vivido na relação que foi rompida
pela morte, mas também é por meio desse amor que conseguiremos nos reconstruir”
“Quando
perdemos definitivamente a conexão com alguém importante, alguém que para nossa
vida representou um parâmetro de nós mesmos, é como se nos privássemos da
capacidade de reconhecer a nós mesmos”
“O que mais
fará falta na morte de alguém importante é o olhar dessa pessoa sobre nós, pois
precisamos do outro como referência de quem somos. Se a pessoa que eu amo não
existe mais, como posso ser quem sou?”
“Quando
morre uma pessoa amada e importante, é como se fôssemos levados até a entrada
de uma caverna. No dia da morte entramos na caverna e a saída não é pela mesma
abertura por onde entramos, pois não encontraremos a mesma vida que tínhamos
antes. A vida que será conhecida a partir da perda nunca será a mesma de quando
a pessoa amada estava viva. Para sair dessa caverna do luto é preciso cavar a
própria saída.”
“Essencialmente,
o luto é um processo de profunda transformação. Há pessoas que podem
transformar nossa temporada na caverna em um período menos doloroso, mas não
podem fazer o trabalho por nós. A tarefa mais sensível do luto é restabelecer a
conexão com a pessoa que morreu por meio da experiência compartilhada com ela.
A revoluta, o medo, a culpa e outros sentimentos que contaminam o tempo de
tristeza acabam prorrogando nossa estadia na caverna e podem nos conduzir a
espaços muito sombrios dentro de nós.”
“É mágico
como a dor passa quando aceitamos a sua presença. Olhemos para a dor de frente,
ela tem nome e sobrenome. Quando reconhecemos esse sofrimento, ele quase sempre
se encolhe. Quando negamos, ela se apodera da nossa vida inteira.”
– Ana
Claudia Quintana Arantes, no livro “A morte é um dia que vale a pena viver”.
Rio de Janeiro: Editora Casa da Palavra, 2016.