Em 1998, durante uma regata, Lars Grael, iatista brasileiro,
detentor de 2 medalhas olímpicas, teve 2 paradas cardíacas após sua perna
direita ter sido decepada por uma lancha que o atropelou quando velejava em
Vitória. Ao ter a perna amputada e perder muito sangue, Grael teve paradas
cardíacas e conheceu uma experiência de quase-morte. Nas palavras do próprio
Lars, “foi uma experiência muito difícil de descrever”. O médico José Carlos
Ramos de Oliveira, outro sobrevivente de parada cardíaca, endossa a sensação de
Lars: “só quem passou por isso sabe o que é uma “experiência de quase morte”.
Outro caso foi o de Maria Aparecida Cavalcanti, radialista e professora
universitária em São Paulo, que afirma ter passado por 3 “experiências de
quase-morte”. O relato abaixo se refere à segunda dessas experiências, ocorrida
depois de um desastre automobilístico em Santa Catarina, em 1994.
“No momento do acidente, eu me senti tragada por um ‘túnel
de vento’. Fiquei flutuando no asfalto e vendo o carro capotar num barranco.
Outro carro parou e 3 homens saíram dele. Um deles desceu o morro e disse: ‘Tem
uma mulher morta ali’. Era eu. Não tive nenhum choque ao ver o corpo – apenas
lamentei, em pensamento, o que tinha sofrido. Fora do corpo, conseguia enxergar
em todas as direções ao mesmo tempo. Então eu avistei 2 pessoas flutuando acima
do morro. Uma delas era uma mulher morena. A outra, com silhueta de um homem alto, me pareceu conhecida
– apesar de ser transparente. A moça esticou o braço direito e disse, sem mexer
a boca: ‘tenha calma; isso está na sua programação’. Essa frase funcionou para
mim como uma senha. Era como se eu resgatasse toda a minha memória. Deslizei em
direção à dupla, mas lembrei que meu único filho de 12 anos estava sozinho num
chalé sem vizinhos e sem telefone. Alguém precisava resgatá-lo. Nesse mesmo
instante, fui tragada de novo pelo túnel e voltei ao corpo. Daí senti uma dor
horrível. Foi o único jeito de avisar a família sobre o acidente e resgatar meu
filho.”[1]
O Dr. Raymond Moody popularizou o termo “experiência de
quase-morte” em seu livro “Vida após a vida”, escrito em 1975. Posteriormente,
em 1982, o pesquisador George Gallup Jr. e William Proctor publicaram
“Aventuras na imortalidade”, um livro que aborda a “experiência de
quase-morte”, baseado em duas pesquisas do Instituto Gallup, refletindo
especificamente a quase morte e a crença na vida após a morte. Outro distinto
estudioso, Kenneth Ring, um dos mais prolíficos pesquisadores e autores de
estudos sobre “experiência de quase-morte”, relata um grande número de
indivíduos que adquiriram autoconfiança e se tornaram mais extrovertidos após a
experiência. Kenneth também verificou que as pessoas que passam por
“experiência de quase-morte” tendem a perceber um aumento no senso de
sentimentos religiosos e crença em um mundo espiritual.
As teorias que explicam as “experiências de quase-morte”
caem em duas categorias básicas: explicações científicas (incluindo médicas,
fisiológicas e psicológicas) e explicações transcendentes (incluindo
espirituais e religiosas). Obviamente, estas últimas não podem ser provadas nem
negadas. A explicação metafísica mais comum é que alguém que passa por uma
“experiência de quase-morte” está, na verdade, experimentando e lembrando de
coisas que aconteceram com sua consciência não corpórea (espiritual).
É natural que a ciência clássica – cuja realidade só admite
o que pode ser observado e medido – não corrobora a retórica mística, mas não
oferece meios de resolver essa questão. Os cientistas têm tão-somente
comprovado que as drogas cetamina [2] e PCP (cloridrato de fenciclidina), por
exemplo, podem criar sensações nos usuários que são quase idênticas a muitas
“experiências de quase-morte”. Obviamente, isso apenas raspa a superfície das
explicações possíveis para uma “experiência de quase-morte”.
Relatos sobre visões do que ocorre ‘do lado de lá’ são tão
antigos quanto as pirâmides egípcias, as epopéias gregas e os registros das
civilizações indianas e chinesas. Na obra “República”, de Platão, narra-se a
história de um soldado morto pelo inimigo que viajou para a Terra dos Mortos,
mas foi proibido de beber do Rio do Esquecimento porque tinha que retornar à
vida. Relatos mais atuais de visões perto da morte foram feitos por Ernesto
Bozzano. Em 1908 descreveu que muitas pessoas, em seu leito de morte, afirmavam
ver pessoas conhecidas que já haviam morrido. Em 1927, o físico inglês sir
William Barrett, membro da Royal Society, publicou o livro Deathbed Visions, no
qual relata que essas pessoas não só viam parentes e amigos falecidos, mas
contavam histórias de outros mundos. Na década de 1960, o parapsicólogo
americano Karlis Osis fez um estudo-piloto sobre essas visões e encontrou
algumas coincidências, como o fato de a maioria dos testemunhos se referir a
conversas com pessoas já mortas.
Para alguns pesquisadores tais experiências sugerem a
existência da mente, ou consciência, independentemente do cérebro, ou mesmo da
existência e sobrevivência da “alma”. Obviamente que outros pesquisadores, os
materialistas, têm convicção de que tais experiências são apenas o produto de
um cérebro em estado fisiológico alterado. Naturalmente isso não invalida suas
pesquisas, pois os Benfeitores do Além explicam que “assim como o Espírito atua
sobre a matéria, também esta reage sobre ele, dentro de certos limites, e que
pode acontecer impressionar-se o Espírito temporariamente com a alteração dos
órgãos pelos quais se manifesta e recebe as impressões”. [3]
A Doutrina Espírita fornece elementos que permitem concluir
que muitas das “experiências de quase morte” resultam do desligamento parcial
do perispirito. Na questão 157 de O Livro dos Espíritos, Kardec indagou: No
momento da morte, a alma sente, alguma vez, qualquer aspiração ou êxtase que
lhe faça entrever o mundo aonde vai de novo entrar? Os Espíritos alumiaram o
tema respondendo: “Muitas vezes a alma sente que se desfazem os laços que a
prendem ao corpo. Já em parte desprendida da matéria, vê o futuro desdobrar-se
diante de si e goza, por antecipação, do estado de Espírito.”[4]. Na questão
407 o Codificador perguntou: É necessário o sono completo para a emancipação do
Espírito? Os Seres do Além responderam: “Não; basta que os sentidos entrem em
torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. Desde que haja prostração
das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre,
quanto mais fraco for o corpo.” [5] Além disso, na questão 424 o mestre lionês
esquadrinhou de forma sutil: Por meio de cuidados dispensados a tempo, podem
reatar-se laços prestes a se desfazerem e restituir-se à vida um ser que
definitivamente morreria se não fosse socorrido? A resposta dos Espíritos: “Sem
dúvida e todos os dias tendes a prova disso.” [6]
A morte não é mais a mesma. Hoje um coração parado não
significa que seu dono vá, necessariamente, passar para o “lado de lá”. Graças
a uma série de procedimentos médicos e um aparelhinho chamado desfibrilador,
uma parcela razoável de pacientes dados como mortos tem sido “ressuscitada” nas
UTIs mundo afora. Várias dessas pessoas têm histórias para contar. São
histórias que desconcertam a ciência com perguntas muito difíceis – e que só
agora começam a ser respondidas. As “experiências de quase-morte” parecem
oferecer alguma esperança de que a morte não é necessariamente algo a ser
temido, nem é o fim da consciência. Mesmo a ciência tem dificuldades para lidar
com a morte – a comunidade médica tem se debatido por décadas com definições
específicas para morte clínica, morte orgânica e morte cerebral.
JORGE HESSEN