Podem
existir algumas abordagens na dinâmica das curas, sejam elas de crença
científica, filosófica ou religiosa. Na primeira, o processo é ascendente; na
segunda é descendente. Por cura ascendente quero dizer que a crença está ligada
ao pressuposto que é de fora para dentro, ou seja, do corpo para a alma. Por
meio descendente, a cura pode aparecer da alma para o corpo.
A ciência
oficial acredita, e dá provas para seus paradigmas, que essa abordagem
ascendente é verdadeira. Boa parte dos conhecimentos científicos estão
construídos dessa maneira. E não há nada de errado nessa maneira de se
construir a verdade. Mas poderão existir outras maneiras que não a científica?
Sim, sabemos que há outras formas: a religiosa, pela fé; a filosófica, pela
razão; e a crença popular, pelo senso comum.
Para abordar
as curas de origem espírita, acredito que a forma mais apropriada desse saber
possa ser entendida com a segunda base epistemológica. A de que a cura se dá da
alma para o corpo. A Doutrina Espírita está embasada numa forma dualista de
entendimento da natureza humana, em que ela ora pode aparecer num corpo
(matéria), ora em um espírito (energia psi). Logo as doenças têm origem no
campo da alma e depois aparecem no corpo.
Poderíamos
avançar para apresentar várias “provas” científicas, avançando em outra forma
de verdade, mas fiquemos na religiosa. Por as doenças, na concepção espírita,
terem origens na alma, sua etiologia está no caráter humano. Dessa forma ela
começa a aparecer enquanto Doutrina, trazendo valores humanos, oriundos do
Cristianismo.
O conceito
de reencarnação (a alma pode retornar com outra personalidade, em outra época e
lugar) também está envolvido na Doutrina Espírita, como uma forma de se crescer
através dos aprendizados, visto que nenhuma alma está completa, enquanto
humana.
O caráter
vai aparecendo enquanto ele vive em harmonia e desarmonia. Quando a pessoa está
na harmonia, aprende com a felicidade; quando em desarmonia, aprende com a
doença. Geralmente é na doença que se vai em busca de um saber novo, pois a
alma está em crise. Quando alguém busca essa Doutrina para a cura, está
buscando a lembrança de seus verdadeiros valores, que podem ser despertados
através dos Ensinamentos Espíritas.
Dessa forma,
enquanto ela busca os alimentos da alma, que são os valores, ela vai se curando
através da alma para o corpo, provocando a cura descendente. A doença é
entendida como a única forma a que a pessoa dá atenção e resgata o cuidado de
si.
OS MÉTODOS
DE CURA
Além do
passe, que é o mais conhecido, a cura pode ser obtida pelos seguintes meios:
pela prece, pelo receituário mediúnico, em reuniões de desobsessão, através de
operações sem instrumental cirúrgico, por meio de operações com uso de
instrumental cirúrgico, pelo tratamento a distância e, acrescentemos, por
outros meios espirituais desconhecidos. Afinal, apesar de seu avanço, o
Espiritismo não é uma doutrina completa, a ponto de informar sobre tudo.
Basta dizer
que às vezes somos surpreendidos por acontecimentos que fogem completamente aos
conhecimentos que possuímos, doutrinariamente. De qualquer maneira, é o
Espiritismo que nos dá as melhores e mais firmes indicações sobre o mecanismo
das curas e os meios de obtê-las. Dá-nos ele, inclusive, a possibilidade de
interpretar inúmeros casos em que as curas acontecem, fora do ambiente
doutrinário e sob condições bastante interessantes. O próprio estudo dos
processos de cura oferece-nos material para interpretar e compreender outros
casos. É o que relembraremos rapidamente a seguir.
A PRECE
A prece é um
dos meios pelos quais a cura de um mal pode ser alcançada. Mas é, também, um
meio dos mais difíceis, haja vista a pequena capacidade que grande parte dos
seres humanos tem para orar. Isto porque a oração não é um ato mecânico, que se
realiza pelos lábios. Não. A prece é algo que depende enormemente do pensamento
e da vontade, pois sem estes ela se transforma em algo sem maior expressão.
Quando os homens aprendem verdadeiramente a orar, indubitavelmente conseguem
sucesso em muitas coisas, inclusive na solução de seus problemas de saúde.
A
confirmação de que se pode obter cura através da prece pode advir do
conhecimento (que vimos atrás) da ação do pensamento sobre os fluidos, que nos
esclarece como a coisa acontece. Mas pode advir também da informação do “Livro
dos Espíritos”: – “Podemos obter curas só pela prece?” indaga Kardec, ao que os
espíritos respondem: “Sim, às vezes Deus nos permite; mas talvez o bem do
doente seja o de sofrer ainda e então vocês pensam que a prece não foi ouvida”.
Esta
resposta enseja, além da confirmação do poder da prece na cura, uma reflexão
sobre o fato de nem todo doente poder ser curado. Isto está explícito na
resposta dos espíritos, que afirmam ser a doença, muitas vezes, “o bem do
doente”. Todos sabemos que isto acontece em vários níveis, ou seja, sempre que
o doente é possuidor de compromissos denominados cármicos, que devem se
prolongar para além do momento em que está recebendo o tratamento, a cura deixa
de acontecer. Um indivíduo de grande força de vontade e orando com sinceridade,
pode ainda assim não alcançar o que deseja se isto for o melhor para ele.
Aliás, André
Luiz nos mostra um exemplo que ilustra bem esse fato: havendo desencarnado, a
mãe de um jovem prossegue no mundo espiritual sofrendo com a doença do seu
filho encarnado, preso ao leito. De tanto implorar aos espíritos mais
esclarecidos o alívio das dores do seu filho, ela recebe a informação de que
será atendida. Tão logo os espíritos realizam a cura, o jovem retoma uma vida
perdulária, acabando por voltar ao vício do alcoolismo, que havia motivado a
sua doença. Com isto, também retorna a doença e o jovem volta ao leito. A mãe,
embora com muito sofrimento, acaba por compreender que a dor é “o bem do
doente”.
Como a
questão da cura total é extremamente complexa, uma vez que os resultados variam
de caso para caso, é bom estar prevenido. Pode o indivíduo não estar em
condições de obter a cura total, seja porque o seu estado físico está
comprometido irremediavelmente, seja porque o seu processo cármico o recomenda.
Mas, entre a cura total e a cura parcial muita coisa pode ocorrer, ou seja, há
pessoas que, depois determinado tratamento, alcançam resultados parciais, que
diminuem em parte o seu sofrimento, sem extingui-lo definitivamente. Quando
isto acontece, de duas uma: ou a pessoa compreende e assume sua situação, ou
ela não aceita o pequeno resultado, e continua descrente de tudo.
Isto pode
ocorrer com dirigentes mal preparados. Estes poderão entrar em um processo de
descrença ante a doutrina pelo simples fato de não conseguir resultados
positivos para todos aqueles que os procuram. A maneira de enfrentar essa
situação, que será inevitável nas casas espíritas dedicadas à prática da cura
espiritual, é fortalecer o conhecimento, a fim de compreender que na maioria
das vezes a cura total ou parcial não depende exclusivamente dele, mas de um
conjunto de fatores nos quais entram o pensamento, os fluidos, os
intermediários, os espíritos e o próprio paciente.
Retornemos à
prece. Apesar do estágio em que nos encontramos atualmente, somos ainda muito
deficientes na hora de realizarmos uma oração. Esta deficiência é que nos
impede de obter bons resultados em nossos propósitos. A prece deveria se
constituir em matéria de constante estudo nos centros espíritas, mas estudo
verdadeiro e não se tornar objeto de considerações puramente místicas, que
impedem alcançar a sua essência.
RECEITUÁRIO MEDIÚNICO
A
mediunidade receitista foi tratada por Kardec de maneira objetiva. Diz ele em
“O Livro dos Médiuns” que a especialidade dos médiuns receitistas “é a de
servir mais facilmente de intérpretes aos espíritos para prescrições médicas.
Não devemos confundi-los com os médiuns curadores, porque eles não fazem
absolutamente mais do que transmitir o pensamento do espírito e não têm, por si
próprios, nenhuma influência”.
Com a
popularização do Espiritismo, este tipo de mediunidade foi tomada de muitas
preocupações, criando-se em torno dos médiuns receitistas uma aura de medo.
Espalhou-se a preocupação de que as receitas espirituais pudessem, pelo menos
no Brasil, contrariar as leis e trazer para a Doutrina alguns prejuízos. Surgiu
então a orientação de que as receitas dadas por médiuns deveriam passar pelo
crivo dos médicos, passando estes a responsabilizarem-se por elas.
Se, em algum
momento, esta preocupação teve sua razão de ser, a verdade é que a presença do
médico ao lado do médium receitista passou a ser encarada em muitos centros
espíritas como uma necessidade inadiável, a ponto de inibir o trabalho mediúnico.
Ainda hoje,
certas instituições de peso no movimento espírita divulgam a necessidade da
presença desse médico de plantão e se não fosse o bom senso de muitos deles,
nós não veríamos chegar às mãos dos pacientes as receitas. Simplesmente porque
muitas delas, como um dia avisou Herculano Pires, contrariam as orientações dos
médicos encarnados. Isso sem falar dos centros espíritas que, tomados de
verdadeiro pânico, deixaram de abrigar em seu recinto o médium receitista,
chegando alguns a proibir a sua presença. Era preciso não contrariar as
orientações vindas de cima.
O que serviu
para um certo momento já não tem mais valor hoje. Ao invés de divulgar esse
tipo de orientação absurda, precisamos na verdade é valorizar o trabalho dos
médiuns receitistas, dando-lhes apoio, sem perder de vista, é claro, o controle
que todo e qualquer tipo de mediunidade deve ter, para não se transformar em
arma contra a Doutrina e os homens.
A
mediunidade receitista é, no processo de cura, muito importante e às vezes
complementar do tratamento espiritual. Os espíritos que atuam neste setor,
normalmente ex-médicos encarnados, se utilizam de conhecimentos adquiridos em
vidas passadas e aprimorados na Espiritualidade. Suas receitas chocam muitas
vezes os profissionais da medicina, uma vez que a combinação de remédios nem
sempre segue o comportamento tradicional. Há espíritos que combinam diversos
tipos de remédios, misturando alopatia e homeopatia, enquanto outros seguem uma
dessas linhas apenas.
Os
resultados do receituário mediúnico via de regra, seguem o mesmo padrão dos
demais tipos de tratamento espiritual, ou seja, a cura total, parcial ou nenhum
resultado efetivo ficam na dependência do encarnado e dos seus compromissos
cármicos. Como os médiuns receitistas, segundo Kardec, não exercem nenhuma
influência no receituário, é de se crer que a ação de seu pensamento não tenha
influência no resultado da cura, ao contrário do passe onde a influência é
quase total. De qualquer maneira, os médiuns estão sempre submetidos aos
interesses dos espíritos, isto é, são os espíritos que determinam o que
receitar.
Reginaldo
Hiraoka. Verdade e Luz