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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

“ELA NÃO MORREU POR SUA CULPA.”

Lia e Marcela eram enfermeiras e amigas de longa data. Trabalhavam juntas em uma unidade de pronto atendimento, como parte da equipe que integrava as ambulâncias. Muito próximas, ajudavam uma à outra não só quando havia a necessidade de troca de seus plantões, como também em questões pessoais. Quando a filha de Lia nasceu, além da avó, o maior apoio foi o da “tia” Marcela.
Certa ocasião, Lia soube que não poderia cumprir o plantão da semana seguinte porque teria que resolver um compromisso particular. Como de costume, recorreu a sua amiga Marcela, que prontamente procurou a administração para informar que estaria no lugar da colega.
Na quarta-feira, antes de Marcela ir para a unidade, Lia ligou para amiga para contar o quanto estava feliz. A filha tinha obtido boas notas na escola, o esposo estava tendo bons resultados no novo emprego e ela tinha conseguido pegar seu carro novo naquele mesmo dia. Com o tradicional afeto, encerrou a ligação, reforçando todo o agradecimento que tinha pelo constante apoio daquela irmã de coração.
Marcela chegou ao trabalho às dezoito horas, levando a alegria daquela conversa fraternal para com seus colegas e pacientes. Assim, mesmo com toda a movimentação do plantão, nem sentiu as horas passarem. Estava muito motivada naquele dia.
Por volta de dez da noite, no entanto, sentiu um breve calafrio ao receber um chamado para embarcar em uma das ambulâncias. Não entendeu o motivo daquela sensação, mas prosseguiu em direção ao local onde fora informado que uma jovem havia se acidentado com o carro.
Ao chegar ao local, não foi difícil perceber que a ocorrência tratava-se de uma tentativa de assalto seguida de morte. Não haveria muito que fazer. Mas os profissionais de saúde se aproximaram do carro para verificar os sinais vitais da moça.
Ao chegar mais perto, o chão sumiu aos pés da enfermeira. Era Lia, sua amiga. Marcela deu alguns passos para trás e quis negar a visão do ocorrido. Sua atitude profissional deu lugar a um extravasamento emocional inesperado. Não se conteve e teve que ser amparada pelos colegas. Como poderia imaginar que aquela troca de plantão resultaria naquilo? Dali por diante, remorso e lágrimas tomaram conta de Marcela.
Meses se passaram junto à dor e à sensação de ter sido culpada pela morte da amiga: “se eu não tivesse trocado o plantão, isto não teria acontecido”. A casa de Marcela envolveu-se em pura tristeza. Tudo para ela tinha dado lugar a uma sensação dolorosa de culpa.
Mas um dia, tentando mudar aquele cenário, o seu filho pré-adolescente, ao chegar da escola, abraça a mãe no sofá e diz com lágrimas nos olhos:
– “Mãe, volta a ser feliz com a gente. Ela não morreu por sua culpa.”.
Marcela se surpreende com a frase inesperada do filho. Diante daquelas lágrimas profundas, começou a rever o sentido de sua vida esboçando-lhe um doce sorriso.
Quantos casos reais, similares a este, já não foram contados em nossas vidas. É o tripulante da aeronave que embarca no lugar do colega e desencarna em um acidente aéreo; o carro que se empresta ao filho que, em seguida, falece em uma colisão; dentre tantos outros exemplos.
Em diversas situações como estas, aqueles que foram, indiretamente, partícipes do ocorrido, ao trocarem suas posições ou cederem seus bens materiais nos diversos cenários, costumam trazer para si uma imensa culpa, como se fossem responsáveis pelo desencarne do próximo. Alguns levam por anos este sentimento, atrapalhando, até mesmo, sua vida pessoal e profissional.
Neste contexto, a Doutrina Espírita nos traz o consolo de que todos nós, antes de encarnarmos, já temos uma programação realizada para a nossa vida. De uma maneira geral, escolhemos antes do berço as expiações e provas pelas quais passaremos. Logo, já temos uma programação a cumprir, como se fosse uma “espécie de destino” [1].
Isto não inibe, todavia, o nosso livre-arbítrio. No decorrer da caminhada podemos mudar nossos rumos, acelerando o nosso progresso ou atrasando a nossa evolução. Tudo depende de nossos propósitos junto ao bem, à neutralidade ou ao mal.
Aqueles que caminham conosco estão unidos por laços de outras encarnações, pautadas na afinidade ou débitos contraídos [2]. E não, necessariamente, são responsáveis pelos fatos que ocorrem em nossas vidas.
Desencarnações como a desta história de Lia podem fazer parte de um planejamento anterior, ou ainda do livre arbítrio delituoso de terceiros. Mas a culpa não se incide na troca realizada pela amiga. De uma forma ou de outra, “o instinto do destino” de Lia a levaria até o local onde os fatos poderiam ocorrer. Este “instinto”, em outras palavras, pode ser entendido pela impressão em foro íntimo que o espírito guarda das fases pelas quais passará em sua vida. Chegado o momento, esta impressão pode, muita das vezes, ser despertada, trazendo-nos aquela sensação que denominamos de pressentimento [1].
Não somos necessariamente culpados pelo desencarne de terceiros. Isto dependerá das circunstâncias. Mas somos responsáveis por amá-los em qualquer tempo. O amor espontâneo, sem exigências, sempre nos trará a sensação de conforto por tê-los amado enquanto estavam conosco. Logo, amemos quem está ao nosso lado e quem também já deixou as vestes físicas. E nunca deixemos de amar a nós mesmos, confiantes nos desígnios da Divina Providência.
Márcio Martins da Silva Costa


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