A velhice mais ou menos consciente vai
depender em grande parte da perspectiva que se tenha diante da morte. E é na
visão da morte, com todas suas consequências filosóficas e morais, que o
Espiritismo realizou uma revolução irreversível, que o mundo ainda não reconheceu.
É que a verdade deve vencer muitos preconceitos e muitos interesses antes de
conquistar a realidade humana. Mas sua marcha é inexorável. O que é verdade
está nas leis da natureza e mais dia menos dia todos a reconhecerão como tal.
Aqueles que já a conhecem devem trabalhar pela sua propagação.
A Doutrina Espírita arrancou o véu que
nos ocultava o outro lado e, pela mediunidade, mostrou a vida ativa, plena,
imortal. A vestimenta do corpo passa. Volta ao pó da terra. Mas, como já
pregavam todas as religiões, a alma se desprende e sobrevive e vai encontrar as
consequências dos seus atos. Se não fosse assim - como pensam materialistas e
niilistas - nada teria sentido e a moral seria uma farsa e a felicidade se
reduziria realmente aos efêmeros gozos dos sentidos.
O Espiritismo veio provar a
imortalidade, com fatos mediúnicos - que se observados e estudados com
discernimento e reflexão dão a evidência insofismável da sobrevivência do
Espírito - mas veio também descrever minúcias dessa vida espiritual. E ainda se
debruça sobre o momento da transição, captando o que acontece nos derradeiros
minutos da vida terrena e no despertar da vida espiritual. Inumeráveis
descrições e testemunhos, recebidos por médiuns do mundo inteiro, desde o tempo
de Kardec até hoje, oferecem fartíssimo material para estudo. Em nosso século,
até correntes não-espíritas fornecem tais testemunhos.
Ora, o que fica evidente é que não
existe uma morte igual a outra, porque cada consciência é um universo. A vida
continua para todos. Mas o estado de cada um no momento do desprendimento e as
condições experimentadas no Além variam ao infinito. A lei geral é que a morte
não faz milagres. Continuamos a ser o que somos. Carregamos conosco desejos e
aspirações, vícios e desajustes, condicionamentos e virtudes.
Mas existe sempre um componente moral
no fenômeno de vida e morte: quanto mais virtudes e maior cultivo de
espiritualidade legítima, mais paz, mais felicidade, mais luz. Quanto maiores
os vícios, o egoísmo e o apego à Terra, mais sofrimento, mais desiquilíbrio e
mais trevas. Sabemos, porém, que todas as virtudes e todos os vícios terão
redenção, porque o progresso, embora possa ser retardado pela vontade de cada
consciência, é quase uma fatalidade no Universo. As sucessivas reencarnações
proporcionam sempre novas oportunidades.
Assim como já sabemos da importância da
Educação na infância para o aproveitamento da presente encarnação, também a
velhice tem um importante papel para a transformação da morte. O declínio das
forças físicas e até as doenças devem justamente proporcionar ao ser encarnado
e desprendimento gradual, devem avisá-lo para se fixar em outros valores que
não apenas os valores efêmeros do mundo físico.
Sabe-se que as pessoas muito apegadas à
matéria, que cultivaram demasiadamente o corpo físico, têm maiores dificuldades
de o abandonarem, quando chega a hora. Sua situação espiritual depois da morte
também pode ser problemática, se ainda se prendem com demasiada insistência na
satisfação das necessidades físicas. Quem está familiarizado com a literatura
espírita ou participa de sessões de desobsessão sabe quantos vivos do Além
permanecem no meio dos vivos da Terra, para vampirizar sensações e energias que
já não podem ter como Espíritos. O egoísmo, a mania de lamentação e a excessiva
fixação mental em si mesmo, a ociosidade, o orgulho e todo o cortejo de
defeitos humanos são outros tantos fatores de loucura e desespero no mundo
espiritual. Não devemos nos esquecer, porém, que a qualquer momento, aqui ou no
Além, o Espírito pode mudar o rumo do seu destino, arrependendo-se de seus
erros e esforçando-se para progredir.
Assim, o Espiritismo se opõe
terminantemente à eutanásia, pois até o último instante da vida no corpo, mesmo
no estado de coma, o Espírito pode estar refletindo, fazendo um balanço de sua
existência, adquirindo novas luzes e adaptando-se à ideia da desencarnação e ao
mundo espiritual. Enquanto o corpo sofre, não sabemos o que a alma está
vivenciando e o quanto lhe será útil essa desencarnação lenta - ela pode muitas
vezes não estar preparada para cortar abruptamente o fio da vida.
Mas aquele que a morte surpreende nas
condições descritas no início deste nosso estudo, as da velhice ideal,
desprende-se com facilidade do corpo e logo se ajusta às novas condições de
trabalho e evolução. Se compreendermos, aliás, que a vida prossegue sempre em
atividade, luta e desenvolvimento, e que não existe repouso eterno e
contemplação beatífica de um céu ocioso e entediante, fica mais evidente o fato
de que a velhice também não deve ser pretexto para ociosidade. É claro que
ninguém deve fazer nada acima de suas forças físicas e muito menos ser
explorado por familiares e patrões. Mas em qualquer situação, cada um deve
buscar ser útil na medida de suas possibilidades, pois a vida só se enche de
sentido quando agimos em favor do bem comum.
Adão de
Araujo.
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