A existência
do princípio espiritual é um fato que, por assim dizer, não precisa de demonstração,
do mesmo modo que o da existência do princípio material. É, de certa forma,
uma verdade axiomática. Ele se afirmar pelos seus efeitos, como a matéria pelos
que lhe são próprios. De acordo com este princípio: “Todo efeito tendo uma
causa, todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente”, ninguém
há que não faça distinção entre o movimento mecânico de um sino que o vento
agite e o movimento desse mesmo sino para dar um sinal, um aviso,
atestando, só por isso, que obedece a um pensamento, a uma intenção. Ora, não
podendo acudir a ninguém a ideia de atribuir pensamento à matéria do sino,
tem-se de concluir que o move uma inteligência à qual ele serve de instrumento
para que ela se manifeste. Pela mesma razão, ninguém terá a ideia de atribuir
pensamento ao corpo de um homem morto. Se, pois, vivo, o homem pensa, é que há
nele alguma coisa que não há quando está morto. A diferença que existe entre
ele e o sino é que a inteligência, que faz com que este se mova, está fora
dele, ao passo que está no homem a que faz que este obre.
O princípio espiritual é corolário da
existência de Deus; sem esse princípio, Deus não teria razão de ser, visto que
não se poderia conceber a soberana inteligência a reinar, pela eternidade em
fora, unicamente sobre a matéria bruta, como não se poderia conceber que um
monarca terreno, durante toda a sua vida, reinasse exclusivamente sobre pedras.
Não se podendo admitir Deus sem os atributos essenciais da Divindade: a
justiça e a bondade, inúteis seriam essas qualidades, se ele as houvesse de
exercitar somente sobre a matéria.
Por outro
lado, não se poderia conceber um Deus soberanamente justo e bom, a criar seres
inteligentes e sensíveis, para lançá-los ao nada, após alguns dias de sofrimento
sem compensações, a recrear-se na contemplação dessa sucessão indefinita
de seres que nascem, sem que o hajam pedido, pensam por um instante,
apenas para conhecerem a dor, e se extinguem para sempre, ao cabo de efêmera existência.
Sem a sobrevivência do ser pensante, os sofrimentos da vida seriam, da parte
de Deus, uma crueldade sem objetivo. Eis por que o materialismo e o
ateísmo são corolários um do outro; negando o efeito, não podem eles
admitir a causa.
O Materialismo
é, pois, consequente consigo mesmo, embora não o seja com a razão.
É inata no
homem a ideia da perpetuidade do ser espiritual; essa ideia se acha nele em
estado de intuição e de aspiração. O homem compreende que somente aí está a compensação
às misérias da vida. Essa a razão por que sempre houve e haverá cada vez mais
espiritualistas do que materialistas e mais devotos do que ateus. À ideia
intuitiva e à força do raciocínio o Espiritismo junta a sanção dos fatos, a
prova material da existência do ser espiritual, da sua sobrevivência, da sua imortalidade
e da sua individualidade. Torna precisa e define o que aquela ideia tinha de
vago e de abstrato. Mostra o ser inteligente a atuar fora da matéria,
quer depois, quer durante a vida do corpo.
Tendo a
matéria que ser objeto do trabalho do Espírito para desenvolvimento de suas
faculdades, era necessário que ele pudesse atuar sobre ela, pelo que veio
habitá la, conto o lenhador habita a floresta. Tendo a matéria que ser, no
mesmo tempo, objeto e instrumento do trabalho, Deus, em vez de unir o Espírito
à pedra rígida, criou, para seu uso, corpos organizados, flexíveis,
capazes de receber todas as impulsões da sua vontade e de se prestarem a todos
os seus movimentos. O corpo é, pois, simultaneamente, o envoltório e o
instrumento do Espírito e, à medida que este adquire novas aptidões,
reveste outro invólucro apropriado ao novo gênero de trabalho que lhe
cabe executar, tal qual se faz com o operário, a quem é dado instrumento
menos grosseiro, à proporção que ele se vai mostrando apto a executar obra
mais bem cuidada.
Para ser
mais exato, é preciso dizer que é o próprio Espírito que modela o seu
envoltório e
o apropria às suas novas necessidades; aperfeiçoa o e lhe desenvolve e completa
o organismo, à medida que experimenta a necessidade de manifestar novas faculdades;
numa palavra, talhao de acordo com a sua inteligência. Deus lhe fornece os
materiais; cabe-lhe a ele empregá-los. É assim que as raças adiantadas têm um
organismo ou, se quiserem, um aparelhamento cerebral mais aperfeiçoado do
que as raças primitivas. Desse modo igualmente se explica o cunho especial que o
caráter do Espírito imprime aos traços da fisionomia e às linhas do corpo.
(Cap. VIII, nº 7: Alma da Terra.)
Desde que um
Espírito nasce para a vida espiritual, tem, por adiantar-se, que
fazer uso de
suas faculdades, rudimentares a princípio. Por isso é que reveste um envoltório
adequado ao seu estado de infância intelectual, envoltório que ele
abandona
para tomar outro, à proporção que se lhe aumentam as forças. Ora
como em todos os tempos houve mundos e esses mundos deram nascimento a
corpos organizados próprios a receber Espíritos, em todos os tempos os
Espíritos, qualquer que fosse o grau de adiantamento que houvessem
alcançado, encontraram os elementos necessários à sua vida carnal.
Por ser
exclusivamente material, o corpo sofre as vicissitudes da matéria. Depois de
funcionar por algum tempo, ele se desorganiza e decompõe. O princípio
vital, não mais encontrando elemento para sua atividade, se extingue e o
corpo morre.
O Espírito,
para quem, este, carente de vida, se torna inútil, deixa o, como se deixa uma
casa em ruínas, ou uma roupa imprestável.
O corpo,
conseguintemente, não passa de um envoltório destinado a receber o Espírito.
Desde então, pouco importam a sua origem e os materiais que entraram na sua
construção. Seja ou não o corpo do homem uma criação especial, o que
não padece dúvida é que tem a formá-lo os mesmos elementos que o dos
animais, a animá-lo o mesmo princípio vital, ou, por outra, a aquecê-lo
o mesmo fogo, como tem a iluminá-lo a mesma luz e se acha sujeito às
mesmas vicissitudes e às mesmas necessidades. É um ponto este que não sofre
contestação.
A não se
considerar, pois, senão a matéria, abstraindo do Espírito, o homem
nada tem que
o distinga do animal. Tudo, porém, muda de aspecto, logo que se estabelece
distinção entre a habitação e o habitante. Um nobre senhor sob o colmo ou
vestido como um camponês não deixa de ser um grande senhor.
O mesmo se
dá com o homem: não é a sua vestidura de carne que o coloca acima do bruto e
faz dele um ser à parte; é o seu ser espiritual, seu Espírito.
A Gênese.
Allan Kardec.
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