A Humanidade realizou, até este dia incontestáveis progressos; os homens, por sua inteligência, chegaram a resultados que jamais tinham atingido com relação às ciências, às artes e ao bem-estar material; resta-lhes, ainda, um imenso progresso a realizar: é o de fazer reinar entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral.
Não o podiam nem com suas crenças, nem com suas instituições antiquadas, restos de uma outra época, boas em uma certa
Época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que elas comportam seriam um atraso hoje.
Tal uma criança é estimulada por móveis, impotentes quando vem a idade madura.
Não é mais somente o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento, e para isto é preciso
destruir tudo o que poderia superexcitar neles o egoísmo e o orgulho. Tal é o período onde vão entrar doravante, e que marcará as fases principais da Humanidade.
Esta fase que se elabora neste momento, é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude; ela podia, pois, ser prevista e predita antecipadamente, e é por isto que se diz que os tempos marcados por Deus são chegados.
Neste tempo, não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a uma região, a um povo, a uma raça; é um movimento universal que se opera no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que lhe são os mais opostos nela trabalham com o seu desconhecimento; a geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de ideias e de sentimentos diferentes da geração presente que se vai a passos de gigante. O velho mundo estará morto, e viverá na história, como hoje os tempos da Idade Média, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
De resto, cada um sabe que a ordem das coisas atuais deixa a desejar; depois de ver, de alguma sorte, esgotar o bem-estar material, que é o produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem, no entanto, poder ainda defini-lo claramente: é o efeito do trabalho intimo que se opera para a regeneração; têm-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma mudança tão radical, quanto a que se elabora, não pode se realizar sem comoção; a luta inevitável entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés; no entanto, como as ideias novas são as do progresso, e que o progresso está nas leis da Natureza, elas não podem deixar de se impor sobre as ideias retrógradas. Forçosamente, desse conflito, surgirão as perturbações temporárias, até que o terreno seja desobstruído dos obstáculos que se opõem ao estabelecimento de um novo edifício social. Da luta das ideias é que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não cataclismos, ou catástrofes puramente materiais.
Os cataclismos gerais eram a consequência do estado de formação da Terra; hoje, não são mais as entranhas do globo que se agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade é um ser coletivo em que se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, com esta diferença de que umas se cumprem de ano em ano, e as outras de século em século. Que sejam acompanhadas, em suas evoluções através do tempo, e ver-se-á a vida das diversas raças marcadas por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.
Ao lado dos movimentos parciais, há um movimento geral que dá o impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento.
Tal será uma família composta de vários filhos dos quais o mais jovem está no berço e o primogênito com a idade de dez anos, por exemplo.
Em dez anos, o primogênito terá vinte anos e será um homem; o mais jovem terá dez anos e, embora mais avançado, será ainda uma
criança; mas, a seu turno, tornar-se-á um homem. Assim é com as diferentes frações da Humanidade; os mais atrasados avançam, mas não saberão, de um pulo, alcançar o nível dos mais avançados.
A Humanidade, tornada adulta, tem novas necessidades, aspirações mais largas, mais elevadas; compreende o vazio das ideias das quais foi embalada, a insuficiência de suas instituições para a sua felicidade; ela não encontra mais, no estado das coisas, as satisfações legitimas para as quais se sente chamada; por isso ela sacode coeiros, e se lança impelida por uma força irresistível, para as margens desconhecidas, para descoberta de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que ela se encontra muito pobremente em sua esfera material, onde a vida intelectual transborda, onde o sentimento da espiritualidade desabrocha, quantos homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio por doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração!
Esses mesmos homens que pretendem impeli-la para a frente, se esforçam por circunscrevê-la no circulo estreito da matéria; de onde ela aspira sair; e lhe fecham o aspecto da vida infinita, e lhe dizem, em lhe mostrando o túmulo: Nec plus ultra!
A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social; mas não há fraternidade real, sólida e efetiva se não estiver apoiada sobre uma base inabalável; essa base é a fé; não a fé de tais ou tais dogmas particulares que mudam com o tempo e os povos e se lançam pedras, porque, anatematizando-se, entretêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar Deus, a a/ma, o futuro, O PROGRESSO INDIVIDUAL, INDEFINIDO, A PERPETUIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES.
Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, se olharão como filhos de um mesmo pai e se estenderão a mão. É esta fé que o Espiritismo dá, e que será doravante o pivô sobre o qual se moverá o gênero humano, quaisquer que sejam suas maneiras de adorá-lo e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas da qual não tem que se ocupar.
Só dessa fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o direito é aquele que dá a força; o dever, um código humano imposto pelo constrangimento.
Sem ela, o que é o homem? um pouco de matéria que se desfaz, um ser efêmero que não faz senso passar; o próprio gênio o uma centelha que brilha um instante para se apagar para sempre; certamente, não há ali de que se isentar muito aos seus próprios olhos.
Com um tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres? qual é o objetivo do progresso?
Sozinha, esta fé faz sentir ao homem sua dignidade pela perpetuidade e o progresso do seu ser. Não num futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido; seu pensamento se eleva acima da Terra; sente-se crescer pensando que tem seu papel no Universo e que esse Universo é seu domínio que poderá um dia percorrer, e que a morte dele não fará uma nulidade, ou um ser inútil a si mesmo e aos outros.
O progresso intelectual realizado até este dia. nas mas vastas proporções, é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas sozinho é impotente para regenerá-la; enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais;
é por isso que os aplica ao aperfeiçoamento dos meios de prejudicar aos outros e de se entre destruírem. Só o progresso moral
pode assegurar a felicidade dos homens sobre a Terra, colocando um freio às más paixões; só ele pode fazer reinar entre eles a concórdia, a paz, a fraternidade.
Será ele que abaixará as barreiras dos povos, que fará tombar os preconceitos de casta, e calar os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se olharem como irmãos, chamados para se entre ajudarem e não viverem às expensas uns dos outros.
Será ainda o progresso moral, secundado aqui pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens numa mesma crença, estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas à discussão e, por isto mesmo, aceitas por todos. A unidade de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, quebrado em todos os tempos pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigos que é preciso fugir, combater, exterminar, em lugar de irmãos que é preciso amar.
Um sinal não menos característico do período em que entramos, é a reação evidente que se opera no sentido das ideias espiritualistas, uma repulsa instintiva se manifesta contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos ou menos absolutos.
O espirito de incredulidade que tinha se apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e lhe tinha feito rejeitar, com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece Ter tido um sono ao sair do qual experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde o vazio se fez, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
Neste grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo inventado
por uma critica zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal como o compreende quem se dá ao trabalho de procurar a amêndoa sob a casca.
Já dissemos em outro lugar: "Quanto mais uma ideia é grande, mais encontra ela adversários, e pode se medir sua importância pela violência dos ataques dos quais é objeto."
O número dos retardatários é ainda grande, sem dúvida, mas o que podem contra a onda que cresce, senão nela lançar algumas pedras? Esta onda é a regeneração que se ergue, ao passo que eles desaparecem com a geração que se vai cada dia a grandes passos.
Até lá defenderão o terreno palmo a palmo; há, pois, uma luta inevitável, mas uma luta desigual, porque é a do passado decrépito que cai em farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos marcados para ele estão chegados.
Autor: Allan Kardec. Revista Espírita, outubro de 1866
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