Noventa anos, dos quais 50 dedicados
ao espiritismo, mais de 250 livros publicados e 70 países visitados para
participar de palestras e conferências. Discípulo de Chico Xavier, o médium
baiano Divaldo Pereira Franco é considerado a principal liderança espírita da
atualidade.
Reconhecido pelo trabalho com jovens
carentes – já adotou 689 crianças e fundou, em 1952, a Mansão do Caminho,
espaço de 83 mil m² em Salvador que já acolheu 35 mil jovens em situação de
vulnerabilidade – ele é tomado por muitos como uma celebridade religiosa. Mesmo
com a fama, demonstra humildade por onde passa e diz que só prega uma coisa:
amor e tolerância.
Em visita a Porto Alegre no último
fim de semana para participar do 9º Congresso Espírita do Rio Grande do Sul, na
PUCRS, onde devotos formaram fila e choraram de emoção, Divaldo conversou com o
GaúchaZH sobre espiritualidade, felicidade e crise de valores.
Assista aqui a entrevista ou leia o
conteúdo a seguir:
— Apesar do avanço tecnológico, o
homem moderno não encontrou a paz que procurava. Ao possuir coisas,
defrontou-se com o vazio interior. Esse vazio somente é preenchido, como diria
Platão, através do autoconhecimento. No momento em que nos identificamos,
sabemos qual é a finalidade da vida — refletiu.
Confira os principais trechos da
entrevista:
O Brasil vive hoje um momento
difícil. Há uma crise político-econômica, a violência aumenta e enfrentamos
momentos de intolerância. Que leitura o senhor faz desse cenário?
Toda a vez em que a civilização
atinge um ápice de progresso, há uma curva de afirmação de valores. E
naturalmente, uma decadência. (Isso ocorre) Desde a antiga Babilônia até a
Europa moderna, que atingiu um alto nível na civilização e, no entanto, não
pode evitar duas guerras. É um fenômeno natural e histórico no processo da evolução.
Apesar disso, nunca houve na humanidade tanto amor, tanta bondade e tanto
sacrifício. A crise nos afeta muito. Mas é necessário descobrir os valores que
estão ocultos e que os exaltemos. A crise é uma preparação de mudança – de
natureza social ou tecnológica. É para a adaptação.
Como sair dessa crise e redescobrir
nossos valores?
Quando cada um de nós realizar uma
mudança de valores. Em vez de nos preocuparmos tanto com os valores externos,
com a posição social ou em atingir topo, (deveríamos) nos preocupar com a
harmonia interna. Com essa modificação, haverá um contágio de sentimentos.
O senhor já fez milhares de
conferências em quase 70 países. Quais os anseios e dificuldades que o senhor
nota em comum em pessoas de diferentes lugares?
O grande desafio da criatura humana é
a própria criatura humana. O indivíduo muda somente de nome e de endereço. Os
conflitos psicológicos, as ânsias e as necessidades emocionais são as mesmas,
porque falta às pessoas aquele conhecimento profundo de si para dar à sua vida
um objetivo e uma natureza existenciais. Apesar das conquistas tecnológicas, o
homem moderno não encontrou aquela paz que procurava. Ao possuir coisas,
defrontou-se com o vazio interior. Esse vazio somente é preenchido, como diria
Platão, através da observação daquela proposta de Sócrates: o autoconhecimento.
No momento em que nos identificamos, sabemos qual é a finalidade da vida.
O senhor é conhecido por dedicar a
vida a crianças em situação de vulnerabilidade social. Qual é o maior prejuízo
para uma criança furtada de condições dignas de alimentação, educação, higiene,
afeto e cuidado?
Surgem as patologias sociológicas do
abandono. A sociedade passa a ser detestada. E a criança que não recebeu vai
cobrar. Torna-se um vândalo e invariavelmente, sai marginalizado e vai para os
departamentos do crime e da droga. Nesses momentos, ele se torna um indivíduo
pernicioso à comunidade. Somos responsáveis pela violência. O que negamos aos
necessitados, eles vêm tomar pela força. É a lei do universo. Faltando a
cooperação, surge a violência.
Como resgatá-los?
Dando-lhes oportunidade. Amando-os.
Fazendo com que despertem para a vida. Com esse sentimento, eles se tornam
elementos úteis da sociedade e passam a ser membros de um novo corpo – o corpo
da era nova.
O senhor adotou muitas crianças. É um
pai para muitos…
Compreendi que não bastava dar
comida, roupa e escola. Era necessário dar segurança e carinho. Todos nós somos
carentes. Aquele que foi rejeitado ou que padeceu em função da orfandade tem
sede de amor muito grande. E como eu tinha sede de amor também, procurei
dar-me. Dar qualquer um faz, mas para dar-se é necessário renunciar ao ego para
tornar feliz o outro.
O senhor recebeu o título de
embaixador da paz no mundo em 2005 por uma universidade de Genebra, na Suíça.
De lá para cá, o que mudou?
A sociedade passou a perceber muito
os valores da vida. A ecologia desenvolveu valores adormecidos. O sentimento de
amor ampliou-se muito, particularmente aos animais. Não só evitando a
exterminação em massa de vidas que caminhavam para o extermínio, mas também o acompanhamento
deles para a solidão. Mudaram os sentimentos, que antes eram ególatras e
voltados para dentro. Ao amarmos o animal, facilmente iremos amar a criatura
humana.
O senhor dedicou a vida ao
espiritismo. Que mensagem o senhor traz da sua caminhada e do espiritismo, até
para que não é espírita ou não tem religião?
Que vale a pena amar. O amor
desabrocha através do respeito pela vida e se consolida pela amizade.
Posteriormente, pela aglutinação de sentimentos. Através desses sentimentos,
tornamos o mundo melhor e o ser humano se torna parte do universo. Ele (o ser
humano) o é (é parte do universo), mas não sabe. É como no caso do holograma:
cada pedaço tem o todo e o todo tem os pedaços. Nós carregamos o mundo dentro
de nós. Quando nos dermos conta de que somos cédulas utilíssimas dessa
realidade universal, mudaremos interiormente e voltaremos, com sentimento de
amor, em alta escala de progresso. E a vida será melhor.
O senhor já declarou que é melhor não
ter religião e ser digno do que ter religião e não ter dignidade. Por quê?
Muitas vezes a religião é um rótulo.
É como um produto que está designado por um nome mas, por dentro, tem outro
significado. A função da religião é apresentar a pedagogia da boa conduta. Por
isso, toda religião que não leva ao fanatismo é boa. Mas, invariavelmente, o
indivíduo tem a religião como ato social e não se impregna de todos os
postulados. Ou em outras vezes, não tem religião e tem sentimento de nobreza.
Se olharmos os grandes construtores da sociedade, veremos que não eram
religiosos. Sua religião era a prática do bem, o desejo de fomentar o progresso
e de promover o indivíduo ao status de cidadania.
Em 2014, o senhor publicou o livro
“Seja Feliz Hoje”. Como ser feliz hoje?
Ao realizar o estado de paz interior.
Confundimos a felicidade com o prazer. O prazer é fugidio, resultado da vida
sensorial. A felicidade é o aprofundamento de valores. Podemos ser felizes na
doença, na pobreza, na situação deplorável. Mas logo vem a ânsia do prazer. A
verdadeira felicidade é dar-se para que a vida seja útil. Quando ela se torna
útil a alguém, torna também ao indivíduo. É a proposta de Jesus Cristo: ele
veio para servir, e não se serviu de nós para evoluir. A lição dele está no
espiritismo, que nos oferece, na caridade, o meio de exaltação do self.
Buscamos sempre o prazer e esquecemos da felicidade. Muitas vezes temos as
respostas físicas, mas não temos a paz interior para a plenitude.
Há quem diga que hoje existe uma
obsessão pela felicidade e que é por isso que as pessoas se frustram. Como o
senhor avalia isso?
A felicidade é pelo ter. Corremos
atrás de coisas e esquecemos dos valores individuais. Muitas vezes renuncio a
determinado prazer para encontrar a paz. Somente quando nos preenchemos de
valores éticos é que as coisas perdem o significado. Elas têm o valor que nós
atribuímos. No momento em que a dor nos surpreende, esses valores desaparecem.
Mas quando temos certeza de que a dor é um apelo do universo para que nos
tornemos melhores, a felicidade aparece.
A felicidade envolve renúncia?
Sim. Sem a renúncia, não há
felicidade. A renúncia é prova de amor, não exigir que o outro seja como nós
queremos, mas ser feliz com aquilo que o indivíduo tiver. Qual a sua mensagem
para os espíritas e para quem não é também? Que procure tudo para fazer o bem
do outro. Quando mudamos, o mundo se transforma. Esperamos que os valores
venham das autoridades governamentais. Mas eles são cidadãos. Se foram felizes,
serão excelentes autoridades. Mas se tiverem caráter dúbio, acostumados ao
suborno das paixões, eles mudam somente de postura e pioram aquelas tendências.
Vale a pena amar, mas no sentido de tornar o outro feliz. Quando tornamos o
outro feliz, ficamos felizes.
A mudança é difícil?
Não. É questão de adaptação. Vivemos
um mundo de hábitos. Se algo me apraz, eu repito. Se me desagrado, cancelo. Se
coloco uma meta produtiva que me planifica, eu me adapto e isso se torna uma
realidade.
GAÚCHAZH
Fonte: Chico de Minas Xavier
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