Ora, eu estava morto e, no entanto,
da vidraça em que observava o movimento lá fora, a paisagem humana, em quase
tudo, me lembrava o mundo que eu havia deixado... Será que eu o havia deixado
mesmo? Era a pergunta que, por vezes, me visitava o pensamento. Eu não habitava
nenhuma região etérea, feita, como imaginava, de matéria quintessenciada; aos
meus sentidos, tudo era quase igual, inclusive eu, que pouco me modificara em
minha intimidade.
Nos primeiros tempos de Vida
Espiritual, sentira‐me, sim, mais leve e mais bem disposto, mas agora, que me
integrara de vez na nova realidade, não conseguia constatar em mim tantas
diferenças: eu continuava sendo o mesmo Inácio, com o mesmo sangue a correr em
minhas veias...
Passada a euforia da desencarnação, a
Lei da Relatividade se encarregava de fazer com que a vida voltasse ao normal;
de onde passara observá‐las, as estrelas — sem exagero algum de minha parte —
me pareciam ainda mais distantes... A rigor, eu não saberia dizer se me havia
aproximado ou distanciado da Luz! De fato, para os que morrem, a morte não
encerra mistério algum; a nossa única expectativa que não se frustra é a que se
refere à sobrevivência.
Quanto ao mais... Para lhes dizer a verdade,
eu estava tendo que me esforçar para não ser indiferente aos amigos que deixara
— amigos e familiares, inclusive, às coisas que me haviam ocupado a existência
inteira e que, então, me pareciam de suma importância. Logo que me sucedeu o
desenlace físico, o meu espírito não lograra desapegar‐se do que prosseguia
concentrando‐me a atenção: eu era então um náufrago que não queria largar a
tábua de salvação; mesmo na condição de espírita, o Desconhecido, que se me
escancarara, me infundia medo, pavor...
Num rápido retrospecto, a consciência
não me absolvia de todo e eu tinha receio de afastar‐me, ou seja, de perder
contato para sempre com tudo que eu havia sido. A condição de médico e Diretor
Clínico do Sanatório Espírita de Uberaba, de certa forma, me resguardava e era
o único valor ao qual eu podia recorrer, caso houvesse necessidade.
Ainda lutando para me adequar à nova
realidade, quando vi que a minha biblioteca estava sendo desfeita — o recanto
em que eu passava a maior parte do meu tempo ocioso —, provoquei encontro
espiritual com Chico Xavier e, por via mediúnica, solicitei àquela que fora
minha esposa no mundo que não continuasse dispersando os meus livros: eu ainda
necessitava deles, não para compulsá‐los, mas é que, depois de perder o corpo,
a sensação de perda que nos acomete é muito grande, para que nos conformemos em
perder mais alguma coisa.
Por que procurei Chico Xavier? É
simples. Se eu tivesse recorrido a outro medianeiro para o meu recado à
companheira, é possível que ela tivesse duvidado da autenticidade do fenômeno
e, além do mais, para enviar a ela uma mensagem através de um outro médium eu
teria que trabalhar a sintonia e não sei quanto tempo semelhante providência me
consumiria... O Espírito não é um mágico e, muito menos, o médium, embora
muitos deles, dos médiuns, confundam mediunidade com alguma espécie de magia.
Dr. Inácio Ferreira, Médico e Diretor
Clínico do Sanatório Espírita de Uberaba!
Fonte: Espiritbook
Nenhum comentário:
Postar um comentário