Há ainda criaturas que veem perigo
por toda parte, em tudo aquilo que não conhecem, não faltando as que tiram
conclusões desfavoráveis ao Espiritismo do fato de terem algumas pessoas, que
se entregaram a estes estudos, perdido a razão. Como podem os homens sensatos
aceitar essa objeção? Não acontece o mesmo com todas as preocupações
intelectuais, quando o cérebro é fraco? Conhece-se o número de loucos e
maníacos produzidos pelos estudos matemáticos, médicos, musicais, filosóficos e
outros? E devemos, por isso, banir tais estudos? O que provam esses efeitos?
Nos trabalhos físicos, estropiam-se os braços e as pernas, que são os
instrumentos da ação material; nos trabalhos intelectuais, estropia-se o
cérebro, que é o instrumento do pensamento. Mas se o instrumento se quebrou, o
mesmo não aconteceu com o Espírito: ele continua intacto e, quando se libertar
da matéria, não desfrutará menos da plenitude de suas faculdades. Foi no seu
setor, como homem, um mártir do trabalho.
Todas as grandes preocupações
intelectuais podem ocasionar a loucura: as Ciências, as Artes e a Religião
fornecem os seus contingentes. A loucura tem por causa primária uma
predisposição orgânica do cérebro, que o torna mais ou menos acessível a
determinadas impressões. Havendo essa predisposição à loucura, ela se
manifestará com o caráter da preocupação principal do indivíduo, que se tornará
uma idéia fixa. Essa idéia poderá ser a dos Espíritos, dos anjos, do diabo, da
fortuna, do poder, de uma arte, de uma ciência, da maternidade ou de um sistema
político ou social. É possível que o louco religioso se apresente como louco
espírita, se o Espiritismo foi a sua preocupação dominante, como o louco
espírita se apresentaria de outra forma, segundo as circunstâncias.
Digo, portanto, que o Espiritismo não
tem nenhum privilégio neste assunto. E vou mais longe: digo que o Espiritismo
bem compreendido é um preservativo da loucura.
Entre as causas mais frequentes de
superexcitação cerebral, devemos contar as decepções, as desgraças, as afeições
contrariadas, que são também as causas mais frequentes do suicídio. Ora, o
verdadeiro espírita olha as coisas deste mundo de um ponto de vista tão
elevado; elas lhe parecem tão pequenas, tão mesquinhas, em face do futuro, que
o aguarda; a vida é para ele tão curta, tão fugitiva que as tribulações não lhe
parecem mais do que incidentes desagradáveis de uma viagem. Aquilo que para
qualquer outro produziria violenta emoção, pouco o afeta, pois sabe que as
amarguras da vida são provas para o seu adiantamento, desde que as sofra sem
murmurar, porque será recompensado de acordo com a coragem ao suportá-las. Suas
convicções lhe dão uma resignação que o preserva do desespero e consequentemente
de uma causa constante de loucura e suicídio. Além disso, conhece pelo exemplo
das comunicações dos Espíritos a sorte daqueles que abreviam voluntariamente os
seus dias, e esse quadro é suficiente para o fazer meditar. Assim, o número dos
que têm sido detidos à beira deste funesto despenhadeiro é considerável. Este é
um dos resultados do Espiritismo. Que os incrédulos se riam quanto quiserem: eu
lhes desejo as consolações que ele proporciona a todos os que se dão ao
trabalho de lhe sondar as misteriosas profundidades. Entre as causas da
loucura, devemos ainda incluir o pavor, sendo que o medo do diabo já
desequilibrou alguns cérebros. Sabe-se o número de vítimas que ele tem feito ao
abalar imaginações fracas com essa ameaça, que cada vez se procura tornar mais
terrível através de hediondos pormenores? O diabo, dizem, só assusta as crianças,
é um meio de torná-las mais ajuizadas. Sim, como o bicho-papão e o lobisomem.
Mas, quando elas deixam de temê-lo, ficam piores do que antes. E para conseguir
tão belo resultado não se levam em conta as epilepsias causadas pelo abalo de
cérebros delicados. A religião seria bem fraca, se, por não usar o medo, seu
poder ficasse comprometido. Felizmente assim não acontece. Ela dispõe de outros
meios para agir sobre as almas e o Espiritismo lhe fornece os mais eficazes e
mais sérios, desde que os saiba aproveitar. Mostra as coisas na sua realidade e
com isso neutraliza os efeitos funestos de um temor exagerado.
O Livro dos Espíritos
Allan Kardec